Num dia ensolarado de terça-feira saí com meus dois filhos e fui buscar o papai, que acabara de entrevistar um jogador de futebol. Ligo o pisca alerta atrás do ônibus do time e lá vem o esposo correndo para entrar no carro. Meia quadra depois saltou um pensamento do esposo e ele disse:
– Esqueci o celular!!
– Vamos voltar?
– Não. Vamos deixar os meninos na escola enquanto tento ligar para alguém pegar o celular para mim.
Na minha mente, que já estava bem movimentada devido a outros compromissos, surgiu também a preocupação de perder as fotos que estavam no celular.
Deixamos os meninos no colégio, voltamos para procurar o aparelho no hotel e eu estava dirigindo devagar, com o pisca ligado, para achar lugar para estacionar quando de repente:
-Biiiiiii!!!!!Biiiii!!!!! Tá Dormindo!!!!!!
Neste momento foi pensamento correndo para tudo que era lado. Veio a reação mal contida, uma vontade de verbalizar toda a minha indignação, que não foi lançada aos olhos e ouvidos do outro motorista, mas que estava estampada em minha face. Segurei um gesto que estava quase saindo.
Naquele momento recordei da virtude temperança. Realizando um esforço interno, deixei tudo armazenado na minha mente para ser organizado depois. O que ficou daquele momento é que no restante do dia teria que ficar mais atenta aos meus pensamentos e menos suscetível aos pensamentos alheios. Estudando um trecho do livro Mecanismo da Vida Consciente, de Carlos Bernardo González Pecotche, deparei-me com este ensinamento:
Em seu afã de ser estrita ao julgar, a razão frequentemente esquece que aquilo que ela julga deve ser primeiro relacionado com as próprias e similares circunstâncias. Colocada nessa condição, a tolerância surge instantaneamente, e o juízo é elaborado com equanimidade. (…)atuando sobre a razão, para que ela deixe de ser fria e, tomando o calor fertilizante que emana dos raios da lógica, se manifeste em juízos comedidos, isentos de passionalismo, atenuados pela temperança e pelo senso de justiça.
O que ficou desta vivência é que o pensar e o sentir devem servir de base para a razão, que desta forma deixa de ser fria e egoísta. Não subestimar a irritabilidade e cultivar a temperança é a maneira de manter a vida em equilíbrio, buscar estar consciente e não alimentar o egoísmo. Não alimentar os pensamentos de índole violenta como o da intolerância, seja ela própria ou alheia. Lembrei que o pensamento da impaciência já havia passado na minha mente em outras ocasiões.
Na manhã seguinte, quando a colaboradora ligou avisando que estava doente, todo o meu planejamento teve que sofrer adaptações. Mas as reflexões feitas no dia anterior foram importantes para viver essa nova situação de forma mais serena.
Rapidamente, reorganizei o meu dia e consegui cumprir com os compromissos assumidos.
Não fosse todo esse movimento gerado pelas situações vividas no dia anterior e pelo ensinamento estudado, certamente ficaria de mau humor e perderia tempo pensando que não poderia executar o que havia planejado.
A temperança é como fabricar vidro, cujo processo necessita mudanças de temperatura para torná-lo resistente. É preciso cultivar a consciência, o estudo e a disciplina. As Leis Universais, que regem o destino do ser humano, tratam de mudar a temperatura para nos tornar mais resistentes.
Já sofri por não me adaptar aos percalços da vida sejam eles grandes ou pequenos. Aprendi que sempre tenho escolha. Entre sofrer estagnada e me adaptar, prefiro batalhar para me adaptar e aprender sempre.