Estamos há mais de 100 dias em isolamento social. Leio nos jornais as notícias dos que faleceram com a pandemia. Me chama a atenção como os familiares e amigos se referem aos que se foram. São sempre palavras de afeto, de gratidão e de expressão de saudades. 

Internamente, me indaguei: será que quando em vida estas pessoas receberam manifestações de sentimentos e afetos das pessoas que agora o fazem depois que já partiram? Qual o valor de receber e/ou oferecer os nossos melhores sentimentos de afeto e gratidão ainda em vida àqueles a quem amamos? 

Às vezes, a vida nos oferece oportunidades que deixamos passar por não estarmos conscientes do valor delas. Mas, atenta ao que ocorre em meu interno, percebi que morando no Rio de Janeiro, no bairro de Copacabana, passava quase diariamente diante do cemitério São João Batista, em Botafogo, por estar em trânsito pelo bairro. 

Inevitavelmente, vinha à minha mente dezenas de nomes com as imagens daqueles que jaziam ali, em sua última morada física. Com todos eles, de alguma forma, nossas vidas estiveram entrelaçadas. Naturalmente, essa recordação enchia meu coração de saudade, de ternura e de alegria

A quantos pronunciei em viva voz o meu afeto ou abri meus braços para estreitá-los numa manifestação de amizade, de carinho e gratidão?

Para quantos liguei no dia do aniversário?

A quem reconfortei nos momentos de dor?

Fazê-lo somente agora, e mentalmente, depois que estão ali, referendados em simbólicos túmulos, teria algum valor?

De onde estão, poderiam captar minhas manifestações sensíveis?

Ou não passariam de manifestações de um sentimentalismo que a nada preenche? 

Muitas vezes, segui em frente para a minha rotina com minhas perguntas e um nó na garganta. Instigada por tantos momentos sensíveis, resolvi um dia estudar um pouco mais a fundo sobre tão delicada questão. 

Estudar sobre a morte nos leva a pensar numa questão: afinal, a quem pertencemos? É unânime responder que pertencemos a uma Divina Vontade a quem chamamos de Deus. E a Ele cabe o poder de dispor de nosso nascimento, vida e morte. 

Com o estudo que tenho realizado à luz dos ensinamentos da Logosofia, venho compreendendo que a morte não é a separação definitiva, já que todos estamos percorrendo em vida e depois da morte, um longo caminho rumo à evolução

Sendo assim, não há contradição do meu sentir ao experimentar alegria ao recordar os que se foram. De uma ou outra forma, nossas vidas estiveram entrelaçadas e, ao recordá-los, reforço um vínculo indestrutível mantido pela força do afeto

O conceito de morte foi um dos primeiros que me interessei em estudar, pois, sofri na infância e na adolescência da doença do temor que paralisa a função de pensar e impede sentir as coisas que são de natureza eterna. 

Aos meus vinte e cinco anos, passei pela experiência do falecimento de minha mãe. Passei muitas noites com ela, no hospital da Lagoa. Algumas vezes, quase sem dormir, pela madrugada ia para a janela e sentia uma profunda alegria ao presenciar o nascer do sol na Lagoa Rodrigues de Freitas. Inquietava-me por dentro, como podia sentir alegria, se minha mãe agonizava? 

Numa manhã, após me emocionar profundamente com os primeiros raios de sol, entendi: 

o sol nasce todos os dias e, quando não está aqui, está lá, do outro lado do mundo. Poucos dias depois, minha mãe faleceu e eu nunca senti que a perdi, pois tratei de cultivar a alegria de saber que ela está lá, do outro lado, no mundo metafísico. 

Sendo assim, continuarei passando na frente do cemitério e fazendo o exercício de sentir emoção de gratidão a todos que conheci e que não estão mais aqui, pois, estão lá, aguardando seu turno para retornar e continuar no caminho da evolução.

Mais ainda, esforçar-me-ei em cumprir meu propósito de estar mais presente na vida dos que estão aqui e assim, estreitar os laços de afeto e de amor que nos unirão não somente nesta vida, mas por toda a nossa existência