Se Vis Pacem Para Bellum
Se queres a paz, prepara-te para a guerra.
Como diziam os romanos, a inevitabilidade do conflito na experiência humana, seja no âmbito pessoal ou coletivo, foi de inspiração para uma miríade de análises acerca da nossa própria natureza.
Todas as filosofias — egípcias, gregas e romanas (para ficar somente no âmbito das civilizações mais conhecidas e estudadas) — versavam sobre a paz, enquanto que, na prática do dia a dia, era por meio das armas que conseguiam efetivar conquistas territoriais e econômicas.
Pax Romana é o nome que se dá ao período da história da civilização romana (eu não chamo império, pois houve uma alternância entre a república e o período imperial), marcado por grande paz e prosperidade, de 27 a.C. até 180 d.C. Essa época foi extremamente importante, possibilitando que Roma garantisse o seu poder sobre províncias recém-conquistadas.
Mas o que garantia essa PAX?
Isso mesmo. As poderosas legiões romanas, como era designado o exército profissional que defendia os interesses e promovia as conquistas.
Thomas Hobbes e Rousseau, entre outros, analisaram como o conflito — ou a falta dele — influenciou o desenvolvimento das sociedades e organizações políticas ao decorrer da história. Porém, além do âmbito filosófico, existem antropológica, empírica e espiritualmente evidências acerca desse aspecto de nossa natureza psicológica?
Os seres humanos são, por sua própria natureza, sociais e coletivos, o famoso zoon politikon (“animal político”), como definido por Aristóteles. Isso pode ser observado até na forma como nossos ancestrais caçavam nos tempos mais primitivos. Os seres humanos eram caçadores de persistência. O método para abater uma presa consistia em ataques sucessivos, seguidos por uma perseguição até a fera exaurir-se. Isso, naturalmente, exigia uma coesão social baseada em necessidades mútuas.
Ademais, o que possibilitou todo o desenvolvimento da civilização humana é a racionalidade inerente dos seres humanos — uma vantagem evolutiva resultante das nossas desvantagens biológicas. Mas o que nunca foi tomado em consideração foi a presença do espírito na condução da existência humana. O uso da mente possibilitou aumentar nossa capacidade de compreender o mundo ao redor e a habilidade de criar pensamentos e ações.
A guerra, objetivamente falando, é uma atividade inerentemente irracional; a destruição por ela causada é uma antítese dos pilares de sustentação da civilização humana.
Vamos retomar a pergunta que dá título a este artigo: O que aprender com a história dos conflitos?
Há um jornalista que se dedica à História do Brasil e que escreveu bons livros, que já li, que ajudam a entender a nossa história, além do ensinado nos bancos da escola. Ele sempre cita uma frase, mas nem sempre menciona o nome de seu autor: “O povo que não conhece sua história corre o risco de repeti-la!” Parafraseando, digo que:
o ser humano, ao não conhecer o mundo mental, origem e causa de tudo que vive, está fadado a repetir seus erros ao longo dos séculos.
No século XX, vivemos duas guerras que envolveram uma parte significativa da humanidade. Hoje, com a distância histórica desses eventos, fica claro que a Primeira Guerra Mundial foi o desfecho de pequenos conflitos locais europeus que vinham do processo de colonização, iniciado pelo menos no século XVII. A dimensão do conflito e o número ainda inimaginável de mortos levaram muitos a acreditarem que, depois dessa grande conflagração, não haveria mais outra guerra dessa magnitude. (Essa guerra ocorreu basicamente nos campos, longe dos grandes centros urbanos)
A forma como o primeiro grande conflito foi resolvido criou o germe mental que daria origem aos monstros mentais que surgiram ao longo dos anos 1920 e 1930, levando-nos a viver o conflito mais destruidor e desumano, que resultou na destruição de muitas das mais preciosas reservas morais e espirituais da humanidade.
A Segunda Guerra Mundial foi total, ocorrendo tanto nos campos quanto nas grandes cidades, com o uso de armas desenvolvidas durante o conflito, culminando na mais letal delas: a bomba atômica.
Vamos prestar atenção no que González Pecotche nos explica sobre esses conflitos.
Uma nova era deverá começar para este mundo destroçado e mergulhado em tanta desgraça: a era da reconstrução em todos os campos em que a vida se desenvolve; a era de uma nova concepção da vida que abra aos espíritos as portas de um futuro melhor. Desta maneira haverá terminado a era sombria do desprezo ao semelhante e do desprezo a todo o justo, nobre e bom. A nova era terá que caracterizar-se, pois, por uma ampla compreensão dos problemas humanos e pelo respeito mútuo, consagrado universalmente; o respeito à vida, à família, aos povos e a tudo o que constitua a razão da existência. Somente assim voltará a humanidade a humanizar-se e alcançar, mais além, os cumes no aperfeiçoamento. Coleção da Revista Logosofia, Tomo V, pag.120 (escrito em maio de 1945, fim da guerra na Europa.)