Se Sócrates vivesse hoje num país que estivesse participando da copa do mundo, haveria de concordar que o futebol pode ser um fantástico campo experimental para observação e prática do famoso preceito délfico que ele defendia: “Conhece-te a ti mesmo e conhecerás o Universo e os Deuses”. E ele teria toda a razão.
Comecemos pelo interessante capítulo do fanatismo. Ninguém neste mundo se julga fanático. Os outros é que são. E o que é um fanático? Sou eu mesmo, torcedor apaixonado, quando não consigo observar, pensar e julgar com liberdade, já que essas faculdades de minha mente estão anuladas pela paixão futebolística. Assim sendo, só enxergo as faltas cometidas pelo adversário, e sempre julgo que o juiz prejudica de propósito o meu time, e assim por diante. O rigor científico passa bem longe dessa praia.
Creio mesmo que a torcida de meu time é a mais entusiasmada? Será que o fanatismo já me cegou, e eu não enxergo as tantas outras torcidas exatamente e completamente iguais? E, lá no fundinho, o que mais me alenta mesmo é a ilusão de ver meu time admirado como o melhor do mundo inteiro? Quanto essa imaginada (e falsa) admiração dos outros pelo meu time pesa na balança de minha satisfação pessoal?
Há, também, o aspecto da qualidade do material expelido por meu vulcão interior na hora de sua erupção, quando meu time foi desclassificado com uma descomunal goleada! Haja Pompéia para tanta lava! Saio quebrando lojas e lixeiras pelas ruas? Violento com palavras ou atos os viventes que se aproximam de mim com qualquer arzinho de real ou suposta provocação? Esqueço a esportividade que eu sempre esperei dos demais quando a derrota era do time deles?
No que tange aos sentimentos, ah! quanta coisa o perspicaz sábio grego veria! Na derrota, viro uma fera contra os atletas de meu surrado time, não me importando com os aspectos humanos envolvidos nisso? Crucifico sem piedade os craques que idolatrei? Contra a comissão técnica, espalho pelas redes sociais pensamentos e imagens destituídos de todo respeito, compreensão ou bondade? E, se me falam em fineza e elevação de conduta, eu sou capaz de cuspir na cara?
Eis a hora da verdade, quando ponho para fora o que sou por dentro.
Vamos, agora, à questão crucial: que grau de amadurecimento interior eu demonstro diante do resultado de um jogo de bola? Perguntando de outra forma: minha vida tem um sentido superior, um objetivo maiúsculo, ou se nivela por baixo com a vida das pessoas superficiais, que amarram sua alma ao resultado das partidas, como se isso fosse o fim maior da existência? Perco sono e me embebedo quando os resultados são adversos? Na minha escala de valores fundamentais, o futebol ocupa o topo? Afinal, essa história de sentido superior para a vida tem algum significado para mim? Ou o que mais vale no Universo infinito e eterno é a vitória de meu adorado time de futebol?
E que dizer, então, do sentimento de fraternidade humana? Com base no que já conheço de mim, acho mesmo que o esporte une as pessoas e os povos? Que tipo de pessoas e que tipo de povos? Sinto-me unido pelo esporte aos torcedores de outros times ou seleções? Sócrates (o grego) por certo diria que não. O que une mesmo homens e povos é o conhecimento, em todos os tempos e lugares.