Era uma tarde morna de primavera quando saí para uma caminhada naquele lugar tão familiar e que me trazia à recordação muitos momentos felizes de minha infância. Eu não sabia que naquela caminhada eu teria um encontro que se tornaria um dos momentos sublimes de minha vida. Mesmo sendo uma vivência simples, que para muitos poderia ser até trivial, extraí dali importante conhecimento que representou uma mudança no entendimento que tinha do mundo e da vida: encontrar Deus na observação da natureza, afastado de qualquer crença ou religião, através da inteligência, como ensinava a Logosofia.
À minha direita o gado pastava solene, entregue à parcimônia da última refeição da tarde. À esquerda o arvoredo que subia a elevação debruçava sua ramagem alegre sobre a estrada. O sol, já cansado do dia, abrandava seu vigor anunciando o repouso numa noite estrelada. Caminhava feliz.
Ao prazer daquele momento, imagens e projetos divagavam em minha mente, quando algo me chamou a atenção, algo familiar na beira da estrada – uma vagem que, mesmo quebrada e coberta de poeira, não disfarçou seu reconhecimento. Confirmei com um sorriso, pois há muitos anos não via aquela planta. Era um ‘pente de macaco’, uma espécie de fruto com a casca de espinhos grossos e curtos que lembram uma escova.
Quando criança, eu brincava de pentear o cabelo com aquilo e a gente se ria ao pensar que, se o mundo acabasse, as fábricas de pentes iam acabar, mas nós poderíamos continuar penteando o cabelo – pois tínhamos o ‘pente de macaco’. Ora, se o mundo acabasse, para que pentear o cabelo? Mas, para nós, aquele pedaço de mundo iria permanecer ali, intacto, longe de toda a destruição que pudesse ocorrer. Foi uma grata recordação.
Em seguida deduzi que, se estavam no chão, é porque caíram… Olhei para cima e lá estavam eles, secos, pendurados como pingentes. Com um galho consegui alcançá-los e, ao serem tocados, estalavam e caíam, formando uma nuvem de sementes que se espalhava no ar como borboletas num espetáculo de encher os olhos.
Rapidamente catei no chão as sementes que podia – pensando em guardar aquela preciosidade – mas uma onda pesarosa me invadiu quando percebi que nenhuma daquelas sementes iria germinar, pois caíram todas na estrada e, com o trânsito de carros, seria impossível sobreviverem. Ou seja, toda aquela beleza – o esforço em produzir frutos e sementes daquela planta – seria em vão, deduzindo, assim, que ela estava em inevitável processo de extinção. Entristeci.
Foi quando um pensamento rápido atravessou a minha mente dizendo: “se essa planta tivesse um pouco de inteligência, um pouco da inteligência que eu tenho, ao saber que estava sobre uma estrada não se daria ao trabalho de produzir frutos e sementes. Simplesmente não produziria”.
Apesar da soberba, esse pensamento não deixava de ter uma lógica desconcertante – era inexplicável um desperdício de energia, assim, na natureza. Mas alguma coisa me dizia que não, uma realidade tão bonita, tão espetacular, haveria de ter um sentido. Por que acontecia assim? Por que tanta beleza pra nada?
se a planta atravessou todos esses séculos e milênios sobrevivendo nesse mundo, foi porque ela persistiu
Por alguns momentos fiquei tomado pela angústia daquela luta de pensamentos que se travava dentro de mim, de não compreender a razão de ser desse intrigante embate entre a mente e o coração. Foi quando, enfim, minha inteligência trouxe outro elemento de razão: “ora, se a planta atravessou todos esses séculos e milênios sobrevivendo nesse mundo, foi porque ela persistiu durante todo esse tempo na chuva, no sol, sob todas as condições adversas sem nunca deixar de produzir, permanentemente, frutos e sementes.” E mais, se ela tivesse se deixado levar pelas contingências da vida talvez, hoje, estivesse extinta, pois teria deixado de fazer aquilo que sua natureza de planta exigia, deixado de fazer tudo que ela fez para sobreviver no árduo caminho evolutivo através de sua existência – essa era uma lógica muito superior à minha.
Tudo que existe chegou até aqui porque uma força que age sobre todas as coisas vivas nos conduziu até aqui
Me admirei ao observar a inteligência da planta, mas permanecia outra interrogante: “de onde vinha essa inteligência? quem a ensinou?” Foi então que percebi que não só ela, mas todas as outras plantas tinham essa mesma inteligência. E não só as plantas, mas os animais também, eu … Tudo que existe chegou até aqui porque uma força que age sobre todas as coisas vivas nos conduziu até aqui; uma força que se pode traduzir em PACIÊNCIA, mas não uma paciência comum – passiva – não, era uma paciência que, além de ser serenidade, é persistência e é, sobretudo, inteligência; uma paciência que transcende o significado comum, pois não apenas sustenta a espera através do tempo, como abre espaço para que a inteligência atue e nos permita ir adiante, achando os melhores caminhos para sobreviver às dificuldades, adaptando-se sempre, sem deixar de primar pela beleza e toda a perfeição.
Dessa maneira, a paciência existindo em todos os seres, reúne todos em um só conjunto, uma só unidade que caminha no sentido da evolução, toda a criação … Criação, essa palavra deixa implícita o agente causal dessa realidade – o Criador – a paciência seria expressão da Inteligência Universal que criou tudo que existe e substância da qual nós somos feitos. Somos feitos da matéria metafísica que se chama paciência, sem a qual não existiríamos.
Minha inteligência me aproximava, assim, da compreensão do que seria Deus, a inteligência universal que mais do que agir sobre todas as coisas, é parte essencial delas. Assim, a paciência, fragmento de Deus, poderia se transformar em um conhecimento que eu, parte criadora dessa mesma criação, utilizaria para o alcance daquilo que minha inteligência se propusesse fazer.
Naquele dia, depois de séculos e milênios, o meu caminho se cruzou com o caminho daquela planta e desse encontro surgiu uma mútua colaboração – ela me ensinou sobre a paciência e eu, carregando suas sementes, iria colaborar em sua perpetuação.
Quando cheguei a essas conclusões, em determinado instante, levantei a vista de minhas reflexões e surpreendi os bois me observando em suspenso, os passarinhos também pararam de cantar e, no mesmo instante dessa percepção, ela mesma foi a ordem para que eles voltassem ao seu canto e os bois baixassem a cabeça em sua eterna pastagem. Talvez tivessem percebido o que ocorrera comigo, como se dissessem: “olha, ele conseguiu, ele chegou!”. Imaginação minha? É possível, mas achei interessante a possibilidade de, como unidade da criação, terem a capacidade de perceber aquele meu instante sublime que era, enfim, deles também.
Caminhei de volta pra casa com os bolsos cheios de sementes. Muito feliz. As sombras da noite se estendiam cobrindo o chão e tingindo o horizonte de tons laranja azulados. Levava o presente da visão que tive iluminado pela luz de uma das infinitas faces lapidadas desse imenso cristal da Criação.