Quando criança e adolescente, eu era bastante ativo, diria até peralta e traquinas; e o recurso pedagógico mais conhecido de minha mãe era o temido chinelo, que ficava estrategicamente colocado debaixo da cama, para quando tivesse de ser usado, e o era, prodigamente, com a chinelada correndo solta em inúmeras oportunidades.
A função de educar era quase inteiramente exercida por minha mãe; meu pai participava com sua presença, seu exemplo e quando o assunto era mais sério.
Já adulto, casado e com filhos, minha memória revisitava aqueles episódios, particularmente quando as chineladas eram injustas, algumas das quais assim também consideradas pela minha própria mãe.
Eu não buscava essas memórias: elas surgiam de modo involuntário e foram se tornando recorrentes, o que acabou por me afastar de minha mãe, ainda que não por completo.
Quando comecei a me conhecer, auxiliado pelos ensinamentos logosóficos, e a identificar pensamentos e sentimentos, eu me dei conta de que o grande afeto que tinha por ela estava sendo corroído. Isso me levou a buscar, agora de maneira voluntária, a recordação dos inúmeros bens que minha querida mãe me havia proporcionado: os cuidados, as brincadeiras que conduzia e das quais participava ativamente durante minha infância, como: batatinha frita 1,2,3, estátua, pular corda e tantas outras que eu adorava.
Na adolescência, fazia questão de me levar e me buscar nas festas, o que era feito de ônibus e eventualmente de táxi, já que não tínhamos carro à época. Quanto esforço! Como esquecer tudo isso? Como deixar um sentimento tão forte ser corroído?
Passei a buscar com maior frequência a recordação desses momentos alegres vividos com ela, o que, naturalmente, fortaleceu os sentimentos de amor, afeto e gratidão. Reaproximei-me, então, de minha mãe, com quem passei a encontrar e conversar mais, recordando daqueles gratos momentos vividos juntos. Superei, assim, uma fase que colocou meus sentimentos por ela em risco e pude testemunhar a renovação desse vínculo entre mãe e filho.
Passados alguns anos, após minha mãe falecer, assomaram à minha mente diversas recordações, dentre as quais o processo de resgate dos sentimentos que nutria por ela, unidos aos vários momentos felizes vividos juntos. Imaginei como teria sido doloroso ter-me mantido afastado dela, se não tivesse recuperado a tempo esses sentimentos que tornam a convivência mais bela e feliz.
Experimento até hoje a gratidão pelo feliz encaminhamento dessa situação.