Os tipos de adaptação
Há pouco tempo, fui apresentado pela minha filha bióloga a um simpático e exótico peixinho chamado killifish-de-mangue. Ele não passa de 10cm e, como o nome entrega, vive em manguezais da costa atlântica da América Central e do Sul. Nada de mais, se não fosse sua extraordinária capacidade de viver fora d’água por meses! Não, não é estória de pescador.
Exemplo eloquente da adaptação na natureza, nos meses de estiagem ele se esconde em lugares úmidos, como folhas apodrecidas e buracos em troncos. E respirando pela pele, comendo pequenos insetos, sobrevive por meses à espera da temporada de chuvas. Como se fosse pouco, ele ainda pode se reproduzir sozinho, já que possui órgãos sexuais femininos e masculinos!
Outro belo exemplo de adaptação física instantânea é o nosso próprio corpo, que reage às condições do ambiente sem que precisemos intervir: suamos no calor e trememos no frio para regular a nossa temperatura interna; a pupila se dilata ou se contrai automaticamente de acordo com a luminosidade que incide em nossos olhos; os caninos vêm gradativamente diminuindo devido à mudança em nossa alimentação; e há estudiosos que afirmam que no futuro a humanidade será formada por carecas e banguelas!
Entretanto, no aspecto psicológico é diferente. A adaptação às nuances da vida não é automática. Demanda uma ação da nossa parte, o que me faz pensar sobre o porquê dessa diferença.
Não seria muito mais fácil se a adaptação psicológica também fosse espontânea? Erro de projeto? Deve haver um motivo para que não seja assim…
As dificuldades em cumprir o princípio da adaptação
Observo em minha vida que a falta de adaptação aos fatos é um dos maiores motivos da infelicidade humana. E não estou falando, necessariamente, da adaptação aos fatos negativos, mas aos positivos também.
Eu me imaginava uma pessoa muito adaptável profissionalmente. Tinha um objetivo profissional, queria chegar a uma determinada posição e achava-me preparado para ela. Como prêmio aos meus esforços, num dia muito feliz, fui promovido ao almejado cargo. A partir do momento em que me sentei em minha nova cadeira, tomei uma ducha de realidade.
Constatei que o exercício da função ultrapassava tudo o que eu imaginara. Descobri que ela demandava um outro comportamento, fator que pesava mais que os conhecimentos profissionais que eu dominava. Demorei muito para entender isso, para aceitar e adaptar minha conduta. E, nesse meio tempo, sofri bastante, e corri o risco de perder a nova posição pela qual lutara tanto para conquistar.
Outro episódio lecionador ocorreu durante um projeto. Sou profissional de informática. Havíamos acabado de desenvolver e apresentar um amplo plano de sistemas para os negócios da companhia, trabalho de meses envolvendo muita gente. Na semana seguinte à apresentação, a empresa mudou de controle, e o novo controlador alterou a direção e as metas.
Conclusão: boa parte do plano recém-entregue não mais se adequava à realidade. Então, o que eu fiz? Reuni imediatamente a equipe para refazer o trabalho? Infelizmente, não! Passei um bom tempo lutando contra a realidade, tentado fazer com que ela se encaixasse no plano. É lógico que perdi a batalha. Também perdi tempo e energia até capitular e adaptar-me à nova realidade.
Percebo hoje que o conceito que eu tinha de adaptação me atrapalhava. Para mim, ela se resumia à capacidade de reagir às mudanças.
Mesmo assim, achava que quem era muito adaptável “não tinha personalidade”, que a adaptação tinha um certo ranço ligado à acomodação, conformismo, submissão, a fazer coisas contra minha vontade. Para piorar, convivia com a teimosia e a preguiça: se adaptar dá um trabalho…!
Novos conceitos
Comecei a estudar Logosofia após esses episódios. Para ela “o ser pode adaptar-se a todos os ambientes e situações sem sofrer o mais leve incômodo”.
Precisava entender bem esse novo conceito para, então, verificar se ele poderia ser mais útil do que o que eu possuía. A Logosofia vem propor a revisão de conceitos, mas adverte que só se deve descartar o antigo ao se comprovar que o novo é melhor para a própria vida.
Abro um breve parêntese para dar contornos ao conceito logosófico de adaptação: um amigo mudou de emprego e, depois de algum tempo, percebeu que a empresa não adotava práticas muito corretas. Ele deveria aderir a essas práticas? Se o fizesse estaria seguindo o que ensina a Logosofia? O que ele fez? Mudou novamente de emprego, adaptando sua vida profissional aos conceitos morais que tinha, e não o contrário.
Um outro amigo passou por um episódio de falência. Situação sofrida. Levou um bom tempo para adaptar seu padrão de vida à nova realidade financeira. Penou e conseguiu adaptar-se materialmente, externamente, mas não psicologicamente, internamente, pois achava que não tinha responsabilidade alguma sobre o que ocorreu, que a culpa era dos outros: da situação do país, do sócio, da mulher que gastava muito e assim vai.
Passou o tempo, ele arrumou outro sócio, levantou capital e empreendeu novamente. Resumindo uma longa história: quebrou mais uma vez!
A Logosofia ensina que há uma “diferença entre os que se adaptam por obrigação e os que buscam a adaptação natural, com plena noção do que isso significa para o seu processo evolutivo”.
Por não buscar as causas que estavam em si, ele perdeu a oportunidade de se tornar apto para um novo empreendimento, de se adaptar antecipadamente para uma nova oportunidade. Não conseguiu aprender a lição embutida na adversidade. Voltando lá ao peixinho, ele já está preparado internamente para as mudanças que virão, pois elas sempre virão. A evolução natural o adaptou com antecedência.
Não tenho a intenção, nem de longe, de fazer pouco caso das situações e mudanças que enfrentamos durante o nosso caminhar e de afirmar que adaptarmo-nos a elas é fácil, e nem de passar a impressão de que o estudante de Logosofia é perfeito e não sofre com esses sacolejos. Vivo essas lutas e sinto meu ânimo decair também, mas venho encontrando elementos que me ajudam a restituir meu equilíbrio interior.
Então, por que a adaptação é um poder?
Olhando para minha realidade novamente, vejo que nessas situações de desequilíbrio a adaptação contribui para que eu recupere progressivamente a “normalidade alterada”.
Para a Logosofia “adaptar-se é, portanto, preparar dentro de si as condições adequadas para que o equilíbrio normal da vida perdure sem modificações, ainda que a vida se modifique tantas vezes quanto sejam necessárias ou o reclamem as circunstâncias”.
A adaptação psicológica funciona como um amortecedor de carro ou como o lastro de navio. Ela permite que não nos desequilibremos internamente a cada modificação que a vida nos impõe, pois assim é a vida.
Mas, como instalar, na prática, esse amortecedor?
Observo que esse amortecedor vai ficando mais firme à medida que vou formando convicções, consolidando conceitos e vivendo de acordo com eles.
Por exemplo: qual o conceito de vida para a Logosofia? Que a vida espiritual é eterna, apesar de fisicamente entrecortada; que é uma escola; que estamos aqui para aprender e para evoluir espiritualmente, que ela é um espelho que reflete o que eu penso e faço... Ele faz sentido para mim? Se sim, já o adoto? O quanto meus pensamentos e minha conduta estão afinados com este conceito?
Outro exemplo, em relação ao conceito de problemas: que eles têm uma função e devem estar dentro da vida, e não a vida dentro deles; que são veículos do aprendizado humano (não é assim na escola? Resolver os problemas para aprender matemática?); que para todo problema há uma solução; Deus não nos apresentaria um problema que não fôssemos capazes de resolver (faríamos isso com um filho?). O quanto esse conceito já é parte de minha vida?
Outro recurso para invocar este poder são as reflexões. Uma das que me ajudou muito foi a que me levou à constatação que nenhuma situação é eterna. A única coisa permanente na vida é a mudança. Então, por mais desafiante que seja um momento, ele passará. Isso não é, em absoluto, um convite ao conformismo. É apenas a admissão de que há forças que estão além do nosso domínio. O que nos cabe é entendê-las e acatá-las com inteligência.
Surge daí a serenidade necessária para, no mínimo, fazermos a nossa parte, o que é certo, o que estiver ao nosso alcance para suavizar a realidade, evitando criar adversidades adicionais pelos nossos erros e enganos. Isto está em nossas mãos.