Ao longo da minha infância e adolescência, fui muito peralta ou, como alguns diziam, “menino danado, esse!”.
Minha mãe utilizava o recurso pedagógico que ela conhecia e que estava mais próximo, usualmente debaixo da cama: o chinelo!
Com o passar dos anos, eu me graduei, fiz uma pós-graduação, consegui um excelente emprego, casei-me com uma mulher maravilhosa e tive três filhos. Eu me sentia muito bem, feliz, com a vida bem encaminhada, e, com a chegada dos filhos, surgiu uma nova atribuição: a de educador.
Como recurso de correção – e até como expressão de hierarquia entre pais e filhos –, entendia que “não há como educar sem dar umas palmadas”.
Iniciara há poucos anos o estudo da ciência logosófica e já havia colhido benefícios e realizado algumas mudanças na minha vida que me fizeram mais feliz.
Houve um Simpósio Nacional da Fundação Logosófica, cujo tema era Educação de Filhos e no qual a ênfase eram relatos de situações vividas a partir da aplicação dos enunciados logosóficos na própria vida, no processo educacional dos filhos. Foi quando ouvi a expressão “enérgica doçura”. Como assim? Entendia que não dava para ser doce nos momentos que exigiam energia.
Foram muitos os relatos que me emocionaram! E todos tinham um ponto em comum: o afeto e a importância de este sentimento presidir todos os momentos da relação familiar, especialmente no processo educacional, quando as deficiências se apresentam de forma mais frequente.
A Logosofia apresenta a deficiência psicológica como
pensamento negativo que, enquistado na mente, exerce forte pressão sobre a vontade do indivíduo, induzindo-o de modo contínuo a satisfazer seu insaciável apetite psíquico.
Mais um esclarecimento é necessário: o que é um pensamento? Para a Logosofia, pensamento é uma entidade psicológica animada, gerada na mente, onde se desenvolve e ainda alcança vida própria.
Um pensamento negativo pode determinar ações comprometedoras, tais como um vício, quando um pensamento obsessivo aprisiona toda a vida do ser; uma impulsividade, que faz com que o ser fale algo que não gostaria, às vezes magoando alguém que ama e se arrependendo profundamente depois.
Dentre a ampla bibliografia logosófica, há um livro que se chama Deficiências e Propensões do Ser Humano, que indica 44 deficiências e 22 propensões. Dessas, destaco a impaciência, a intolerância e a irritabilidade, que costumam estar “de mãos dadas”. Quando uma entra na mente, as outras vêm correndo.
Voltando ao Simpósio sobre Educação de Filhos, ao longo dos relatos e vivências apresentados, percebi que, na educação de meus filhos, muitas vezes, agia por determinação daquelas deficiências. Naqueles momentos, não havia nenhum espaço para a reflexão, para o pensar ou para qualquer outra atividade mental. Afinal, estava subjugado pelas deficiências. E qual era o recurso pedagógico que eu utilizava? Se você disse palmadas, acertou.
Afinal, o afeto deveria estar presente a todo instante, inclusive nas correções que requerem energia, que não se pode confundir com violência.
Nesse momento, começou a fazer todo sentido a expressão “enérgica doçura”. Não era apenas um conceito. Ouvi relatos de situações que testemunhavam o acerto e os felizes encaminhamentos educacionais com o exercício da “enérgica doçura”.
Quando o simpósio terminou, eu, solenemente, me propus a atuar de forma totalmente diferente.
Comecei a observar meu interno e, nos momentos de birra, de desobediência ou outros, que exigiam correção, buscava recursos para levá-lo a pensar sobre a melhor forma de atuar, em vez de tentar forçá-lo a fazer o que eu queria.
Certa vez, estávamos na casa da minha sogra, que tem, no centro da sala, uma mesa cheia de ornamentos de vidro, muito delicados. Quando olhei para meu filho, naquele momento com seus quatro aninhos, sem muita coordenação motora, fiquei apavorado e fui correndo para retirá-lo dali bruscamente. Percebi que seria enérgico, mas nada doce. Com isso, freei o impulso, cheguei próximo a ele e disse no seu ouvidinho que daquele jeito poderia quebrar os ornamentos de que a vovó gostava tanto e que ela poderia ficar triste. Ele me olhou, virou as costas e saiu.
Foi um episódio muito simples, mas de grande relevância para mim, pois havia sido a primeira vez em que conseguira ser enérgico e doce ao mesmo tempo.