Javier: — Em alguns dos ensinamentos logosóficos, ressaltasse muito especialmente a necessidade de unir os tempos, mencionando-se também o “tempo de metade”. Já procurei compreender o significado desses ensinamentos, sem encontrar, porém, seu verdadeiro fundamento. Não concebo como se pode unir um tempo a outro; a meu juízo, todos são ao mesmo tempo unidos e iguais. Será que devo unir o tempo de minha vida ao de minha esposa e filhos? E, em tal caso, como amalgamá-los? Ou se trata, talvez, de tomar o tempo que dedico a uma coisa e uni-lo a outra? Mas, sendo assim, seria inútil, pois não vejo em que isso pode me beneficiar. Poderia me explicar o conteúdo real do ensinamento, capaz de esclarecê-lo para meu entendimento?

Preceptor: — Unir os tempos de metade significa que o ser humano, havendo já alcançado uma capacitação intelectual adequada, deve ordenar os tempos de sua vida, unindo entre si os que são de igual natureza. Acostumando seu espírito a esse ordenamento, terá diante de si a realidade de estar vivendo — conscientemente, é claro — várias vidas de forma simultânea.

Javier: — Recordo, de fato, ter ouvido o senhor dizer que vivemos várias vidas em uma, mas que, ao ignorar isso, não podemos tê-las na devida conta e as mesclamos numa lamentável confusão. Como sua afirmação me parece até certo ponto incompreensível, agradeceria muito se o senhor me explicasse amplamente tão original conceito.

Preceptor: — Apesar de você não compreendê-lo, é muito claro e, além disso, de importância fundamental para todo aquele que queira beneficiar-se com ele, pois tem a virtude de levar à comprovação de como foi aproveitado o tempo vivido, enquanto ajuda a aproveitar melhor o futuro por viver.

Javier: — Caso se trate de recordar tudo o que fizemos na vida, considero que muito poucos se darão a semelhante trabalho; além do mais, isso tampouco interessa.

Preceptor: — Tão pouco valor você dá ao que já viveu, a ponto de assim subestimá-lo?

Javier: — Não disse isso expressamente por meu caso particular, mas sim recordando a modalidade geral. Quanto a mim, perdoe-me, mas devo dizer que não são suficientes os elementos que o senhor me dá para compreender com clareza este assunto.

Preceptor: — Vejamos, então. Os tempos de metade, a que me referi, são os que interrompem a sucessão daqueles de uma mesma espécie. Assim, por exemplo, há em nós um tempo consagrado à família, que deve ser interrompido muitas vezes por aqueles que dedicamos a nossas tarefas habituais e a ocupações ou distrações nas quais a família em nada intervém. Tendo isso presente, se temos consciência da própria vida em todos os momentos de nossa existência, devemos considerar o tempo dedicado à família de um modo tal como se essas interrupções não existissem. É o que inconscientemente o homem costuma fazer ao visitar sua amada, quando lhe manifesta ter a sensação de estar sempre junto dela, como se o lapso entre uma visita e outra não existisse no instante de voltar a vê-la. Nada o ilustrará melhor sobre esse particular do que conhecer a forma como procedo. Ordeno as diferentes vidas desta maneira: o tempo que ocupo ensinando meus discípulos constitui para mim uma vida, a qual, medindo cada tempo que destino a esse fim, se estende ao longo de toda a minha existência física.

Mais ainda, quando me acho entregue a esse grato labor, é como se jamais o houvesse interrompido, tal é a sensação de realidade que experimento. O mesmo ocorre ao unir todos os momentos que dedico à minha família: a impressão é de que sempre estou vivendo a vida do lar. Quando escrevo meus livros, conecto os tempos que ocupo com eles e experimento a agradável realidade de saber que essa atividade constitui uma das tantas vidas que vivo; vidas que o são de verdade, porque existe nelas a consequência metódica, o estímulo direto, a consciência de seu valor transcendente e a força viva que anima e fecunda cada uma delas com novas, variadas e mais formosas formas de realização. As viagens que já fiz e farei, unidas todas no fio da recordação, formam também uma vida, como a formam os tempos que dedico a minhas meditações ou a meus descansos, sem que eu jamais mescle uma vida com outra.

Desta maneira, substancia-se em mim o tempo eterno, e desfruto a existência física com a maior amplidão de consciência.

Javier: — Parece-me vislumbrar, ao escutá-lo, a existência de algum motivo especial para que o senhor nos ofereça esta originalíssima concepção da vida, mas devo confessar que estou ainda longe de alcançar o verdadeiro sentido ou o “leitmotiv” do assunto.

Preceptor: — Isso não me surpreende; a compreensão desses novos conceitos requer um estudo prévio dos conhecimentos logosóficos, a fim de que a inteligência não atue manejando os velhos elementos de que dispõe até o presente. Vou lhe descrever, então, uma imagem mais sugestiva. Suponha o seguinte: um escultor tem diante de si um bloco de mármore; um pintor, uma tela virgem; e um escritor, papéis em branco. Os três começam a trabalhar; horas mais tarde, suspendem suas tarefas para fazer outras, inclusive passear. No dia seguinte, ou tempos depois, eles as continuam, voltando a abandonar muitas vezes seu trabalho por iguais motivos, porém adiantando cada vez mais suas respectivas obras, até acabá-las. Eu lhe pergunto, agora, se os que contemplam a pintura ou a escultura, ou leem o livro, têm alguma ideia de que sofreram interrupções em determinados momentos; e, se assim fosse, parece-lhe possível alguém indicar os momentos de interrupção na escultura, na pintura ou na obra literária? Nem o próprio autor costuma ter consciência disso. Ao se unirem as metades de tempo produzidas pelas interrupções, cada obra constitui, então, uma só peça.

Esse mesmo princípio pode ser aplicado, igualmente, a tudo o mais. Assim, poderíamos unir cada uma das vidas que vivemos, e, ao fazê-lo, apreciaremos melhor o valor dos tempos que concorrem para a formação de nossa existência. Se também unirmos os tempos em que nada fazemos, por passá-los na folgança e em trivialidades, compreenderemos, com profundo pesar, quanto se perde e já se perdeu sem nenhum proveito, já que esse tempo, ao não ficar registrado no haver de nossa vida como algo digno de figurar nos anais da evolução que nossa consciência leva a efeito, deve ser considerado como vida não vivida, isto é, vazia ou morta. Se tratarmos de unir os tempos que um jogador dedica a seus jogos favoritos, assim como o que emprega em pensar neles, veremos que não lhe sobra tempo para dedicar a outra coisa fora do que, por obrigação, deve destinar a seu trabalho diário. O mesmo podemos dizer de outros afazeres que absorvem todo o tempo do homem, sem resultado positivo algum. Estes seres são os que depois se queixam de sua má sorte, enquanto defendem o direito de fazer de suas vidas o que bem lhes apraz; direito que ninguém discute, é certo, mas que bem poderia lhes servir para enriquecê-las, tornando-se assim mais úteis a si mesmos e à sociedade.

Javier: — Considero muito interessante tudo o que o senhor explicou sobre a união dos tempos, mas devo insistir uma vez mais, se me permite, no fato de não ter captado ainda a utilidade efetiva desse fato. Por acaso não vivemos de modo igual sem unir tais tempos?

Preceptor: — Aí está o erro, pois não se vive de modo igual, como você pensa. Andam do mesmo modo os negócios descuidados e os que são regidos por fiscalização contábil? Não, certamente, ainda que sejam do mesmo tipo e importância. O ser que organiza sua vida, ordenando inteligentemente os tempos dela, desfrutará mil vezes mais cada momento que vive, porque, unindo-os instantaneamente com o pensamento a trechos de uma mesma natureza, terá, como já lhe disse, a medida e o valor de cada vida que vá vivendo no curso dos anos. Mas uma coisa é certa: para poder realizar a sutura dos tempos similares, são necessários, logicamente, conhecimentos que, como os logosóficos, nos conduzam pela mão. Esta concepção da união dos tempos dá a entender também que todo tempo desconexo de vida, tudo o que se interrompe definitivamente, é vida que empalidece e se esfuma na consciência. Quem não tenha interesse em enriquecer sua vida espiritual não achará, seguramente, razão de ser para essas imagens; entretanto, para quem compreenda e avalie em seu justo mérito o ensinamento que lhe dei, sobretudo depois de havê-lo praticado com êxito, para esse ele terá, sem dúvida alguma, um valor imenso.

Javier: — Creio estar incluído no segundo caso, pois pressinto que, ao aplicar este conhecimento tal como o senhor indica, obterei finalmente a compreensão ansiada.

Extraído de Diálogos, p.21


Carlos Bernardo González Pecotche, também conhecido pelo pseudônimo Raumsol, foi um pensador e humanista argentino, criador da Fundação Logosófica e da Logosofia, ciência por ela difundida. Nasceu em Buenos Aires, em 11 de agosto de 1901 e faleceu em 4 de abril de 1963. Autor de uma vasta bibliografia, pronunciou também inúmeras conferências e aulas. Demonstra sua técnica pedagógica excepcional por meio do método original da Logosofia, que ensina a desvendar os grandes enigmas da vida humana e universal. O legado de sua obra abre o caminho para uma nova cultura e o advento de uma nova civilização que ele denominou “civilização do espírito”.