Eis aqui uma das deficiências mais comuns no ser humano, a que mais prejuízos lhe ocasiona e a que influi particularmente para que as demais o dominem.

Começa a manifestar-se quase sempre na infância, umas vezes por sua origem congênita e outras porque a ausência de incentivos ou de necessidades, durante esse período, atrofia de certo modo a zona temperamental que define a capacidade de iniciativa ou de empresa. O impulso volitivo fica assim paralisado, isto é, seu desenvolvimento não se vigoriza com o exercício natural de enfrentar obrigações e dificuldades, e só se manifesta diante daquelas coisas fáceis de fazer ou conseguir, sempre do agrado da criança.

Se a idade juvenil encontra o ser em tais condições, é indubitável que, na melhor das hipóteses, ele usará sua vontade quando a necessidade o obrigar ou quando algo lhe apetecer, mas faltará a essa vontade o incentivo capaz de movê-la na procura de horizontes mais amplos e promissores para sua vida. Acostumado a fazer só o indispensável, o que as circunstâncias lhe exigem, e até menos, deixará tudo o mais irremediavelmente postergado e, acossado pela apatia, não será difícil que termine imerso na abulia moral e psíquica.

É comum que na idade madura a bulastenia apresente características crônicas, devendo aqueles que com tanta intensidade a padecem, classificar esta deficiência no primeiro grupo, ou seja, no das dominantes maiores, já que ela propicia, como dissemos, o fortalecimento de muitas outras. Mas nem sempre a abulia chega à cronicidade, e não é difícil deduzir que quanto menor for seu enraizamento na pessoa que ela domine, tanto mais fácil será superá-la.

Temos de nos referir também àqueles casos em que a falta do impulso volitivo sobrevém inesperadamente diante de circunstâncias adversas, tais como fracassos ou frustrações que o homem experimenta na vida, às vezes reiteradamente, ante os quais sucumbe por falta de um adequado adestramento que o conduza, antes de tudo, a fazer bom uso de sua faculdade de pensar, pois se sabe que quem não pensa está longe de mobilizar seus pensamentos e sua vontade na elaboração de incentivos que tornem mais benigno o processo de sua existência.

Vontade é a força psíquica que move as energias humanas e põe em atividade as determinações da inteligência para o bem, defesa e superação do indivíduo. A falta de vontade anula essas possibilidades e prostra o ser na indiferença e na inércia, faz sua inteligência fracassar e chega até a perverter sua sensibilidade, porque o expõe a todas as tentações e contingências que o ameaçam.

A necessidade e o estímulo

Os movimentos da vontade, pequenos ou grandes, são impulsionados por dois fatores de primordial importância, que se alternam e se substituem de forma temporária ou permanente: a necessidade e o estímulo.

A necessidade atua sobre a vontade determinando movimentos quase automáticos, que forçam o ser a realizar mesmo aquelas coisas que ele não quer ou que devia ter feito espontaneamente, por determinação do próprio pensar e sentir; seu principal agente é a premência, que não admite demoras de nenhuma espécie enquanto urge o cumprimento de uma obrigação, de um dever, ou a satisfação de uma exigência inevitável.

O estímulo age também sobre a vontade, mas ativa por sua vez a inteligência e o sentimento, despertando o nobre afã de substituir a escassez pela abundância em cada um dos setores da vida em que a vontade desempenha papel preponderante.

A vontade se excita e toma brios quando este último fator intervém. Por mais cansada que uma pessoa se sinta ao término de uma jornada, se lhe é oferecida a oportunidade de recrear-se ou distrair-se com algum passatempo favorito, dificilmente deixará de fazê-lo. Isto significa que a perspectiva de passar um momento agradável influi, aqui, diretamente sobre a vontade, ativando-a. Fica assim demonstrado como a vontade se mobiliza, incitada por um estímulo qualquer, o que dá ideia do muito que se pode conseguir quando ela se ativa em virtude de estímulos altamente edificantes, como são os que o conhecimento transcendente proporciona.

Quando o futuro é para o homem uma noite sem estrelas, um suceder monótono onde naufragam todas as suas esperanças, a vontade, carente de estímulos, perde vigor e fica à mercê do acaso. A vida não pode ser, no entanto, o páramo ou a estepe em cujos dilatados confins nós devamos nos perder irremediavelmente. É preciso fazer dela um lugar pleno de encantos, a fim de que nossa alma encontre, em todo o momento e a cada passo, o incentivo necessário para avançar segura e decidida pelos caminhos do mundo.

Conhecida a causa determinante da falta de vontade que nos acossa, nada mais lógico e urgente que eliminar essa causa. Se, diante da perspectiva de uma longa viagem, com todo o gosto nos preocupamos em fazer as malas, com maior razão ainda temos de nos preparar para o longo percurso de nossa existência, abastecendo nossa vontade com estímulos capazes de satisfazer integralmente as necessidades da vida diária. Quais são esses estímulos? Certamente variam em cada indivíduo. Aquilo que em uns age incitando à ação, em outros se mostra inoperante. O melhoramento econômico constitui um estímulo para quem o procura, porque sabe que, uma vez alcançado, terá satisfeito uma longa e acalentada aspiração; o mesmo estímulo não tem valor para aquele que já desfruta uma posição folgada ou é indiferente a ela.

Existe toda uma escala de estímulos, desde os mais fracos até os de mais alto poder; como, porém, seu valor é relativo, o próprio homem deve aprender a criá-los dentro de si quando não os sinta surgir espontaneamente.

O estímulo aflora do propósito, do projeto, iniciativa ou fim que se procura realizar, e sustenta o entusiasmo, que é necessário manter permanentemente durante o prosseguimento da obra. Mas tenha-se em conta que o entusiasmo originado de uma esperança não deve jamais ser inflado pelos excessos da ilusão, capaz de aumentá-la até o ponto de sufocar esse mesmo entusiasmo.

Conformarmo-nos com pequenas esperanças, enquanto nos capacitamos para semear de estímulos positivos a área de nossa vida, é conhecer o segredo para que frutifiquem, numa sucessão feliz, esperanças e entusiasmos maiores.

Se já vimos, em muitas circunstâncias da vida, que a vontade atua por pressão da necessidade, por que não exercitá-la por meio de incentivos que substituam esse imperativo e a obriguem a nos servir docilmente e com toda a eficiência? Dar-nos-á alento, por um lado, saber que podemos fazê-lo e, por outro, pensar na satisfação que haveremos de sentir no momento do triunfo, ao colhermos os frutos do esforço.

Antideficiência da Falta de Vontade: Decisão

A antideficiência que aconselhamos aplicar nos casos de falta de vontade é a decisão. Para que seja efetiva, terá de ser praticada conscientemente, com responsabilidade – como toda antideficiência exige –, sobrepondo-se com empenho à apatia até triunfar no forcejo psicológico. O ser deve demonstrar que é capaz de contrapor à abulia que o domina a decisão de combatê-la. Conseguirá, assim, ter vontade para tudo.

Será necessário, em primeiro lugar, querer uma coisa ou querer fazer algo; mas querê-lo com força, para permitir que a antideficiência entre em vigor. O simples fato de pensar que estamos levando à prática uma disposição emanada de nós mesmos, que tem por fim imediato nosso próprio benefício, contribuirá de maneira decisiva e sem maiores tropeços para a conquista daquilo que buscamos.

É no princípio de execução de todo propósito de bem que, com frequência, a falta de vontade se faz presente; mas, sabendo que a causa desse mal está na preguiça feita hábito, enfrentá-la-emos com resolução, avaliando em todo o seu volume os prejuízos que ela nos ocasiona e sem alimentar, nem por mais um instante, nenhum dos pensamentos negativos que promove.

É natural que isso exija estar ativo, mas o esforço que tal atividade demanda logo é compensado, porque permite viver a vida com maior intensidade, sem que ela escape do próprio ser com o tempo que se perde quando se é vítima desta deficiência.

Trata-se, pois, de ser consciente na luta que começa ao se defrontar o homem com esse inimigo que atenta contra o melhor que ele possui dentro de si: as energias que sustentam e dão conteúdo a sua vida moral e espiritual.

Tendo isso presente, não serão deixadas para amanhã as coisas que podem ser feitas hoje, já que fazê-las oportunamente permite ganhar um tempo que, no dia seguinte, poderia ser destinado a outros afazeres.

É certo que em alguns casos esta deficiência pode ser neutralizada mediante uma rigorosa disciplina, mas aconselhamos a todo aquele que cultive nossos estudos que, antes de recorrer a imposições rígidas, mais que tudo fortaleça seu ânimo e ofereça à própria vontade estímulos capazes de convertê-la no centro dinâmico de suas energias internas.

Quem realiza o processo de evolução consciente, cumprindo na medida de sua capacidade as exigências do adestramento interno, aprende a mobilizar seus pensamentos e os faz servir à causa do próprio aperfeiçoamento.

É muito o que o homem pode conquistar no campo das realizações superiores, sendo o saber a prerrogativa máxima que lhe foi concedida. Não existe, pois, maior estímulo para sua vida.

O saber aumenta a vontade e faz com que tudo se consubstancie na ação.

Extraído de Deficiências e Propensões do Ser Humano, p.35-41

Deficiências e Propensões do Ser Humano

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Carlos Bernardo González Pecotche, também conhecido pelo pseudônimo Raumsol, foi um pensador e humanista argentino, criador da Fundação Logosófica e da Logosofia, ciência por ela difundida. Nasceu em Buenos Aires, em 11 de agosto de 1901 e faleceu em 4 de abril de 1963. Autor de uma vasta bibliografia, pronunciou também inúmeras conferências e aulas. Demonstra sua técnica pedagógica excepcional por meio do método original da Logosofia, que ensina a desvendar os grandes enigmas da vida humana e universal. O legado de sua obra abre o caminho para uma nova cultura e o advento de uma nova civilização que ele denominou “civilização do espírito”.