Uma das causas que mais contribui para a infelicidade humana e cria as maiores dificuldades é a incapacidade para o uso inteligente dos próprios recursos internos em cada circunstância adversa ou situação difícil que o ser deve enfrentar no curso de seus dias. Entre esses recursos, talvez o de maior potência seja o da adaptabilidade.

É frequente constatar tenaz resistência à aceitação das mudanças inesperadas que costumam produzir-se nas situações tidas como permanentes na vida corrente; tanto assim que a primeira reação psicológica ou do sentimento é o desespero e o desconsolo, acompanhados de um profundo pesar, muitas vezes inibidor da reflexão. É claro que o tempo atua como sedativo e, em definitivo, é ele que traz a adaptação.

Essa mesma prova de indulgência das forças que sustentam o espírito revela a existência de um poder, o de adaptação, que, sem anular temporariamente nem diminuir em nada as prerrogativas humanas, evita os transtornos da alma e facilita em alto grau o desenvolvimento progressivo rumo à normalidade alterada.

Mas esse poder vai mais além. Usado com o devido conhecimento, o ser pode adaptar-se a todos os ambientes e situações sem sofrer o mais leve incômodo; e mais: essa mesma força assimilativa que dilui o elemento discordante no próprio critério, onde se combinam e se conciliam as distâncias psicológicas e temperamentais, assim como as de berço e outras causas, produz um prazer inexprimível.

É a sensação de uma espécie de onipresença que, sem ser simultânea, é realizável na sucessão do tempo, onde quer que o ser se proponha a conviver sem aborrecimentos ou resistências, ou então experimentar, a modo de treinamento, certas situações adversas ou incômodas.

A própria vida ensina ser ela, em essência, a expressão mais acabada da adaptação.

A série de mudanças que se experimentam, as transformações, as experiências que corrigem até costumes, propiciam constantemente a necessidade da adaptação. Quem estuda deve se adaptar às exigências do estudo, como deve quem trabalha fazê-lo em relação às desse gênero de atividade, e assim sucessivamente em todos os casos. O essencial é não prejudicar as energias internas com depressões e sofrimentos que diminuem o vigor do espírito e restringem as possibilidades humanas.

Quando se projeta fazer alguma coisa, deve-se conservar, e até aumentar, o entusiasmo que animou o projeto. Geralmente se fracassa por não se haver adaptado a própria disposição às exigências da atividade que sua realização costuma demandar.

Adaptar-se é, portanto, preparar dentro de si as condições adequadas para que o equilíbrio normal da vida perdure sem modificações, ainda que a vida se modifique tantas vezes quantas sejam necessárias ou o reclamem as circunstâncias. O contrário seria nos entregarmos como prisioneiros de um inimigo invisível, porém real, que estaria continuamente abatendo nosso ânimo.

Extraído da Coletânea da Revista Logosofia – Tomo 2, p.169-170

Coletânea da Revista Logosofia – Tomo II

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Carlos Bernardo González Pecotche, também conhecido pelo pseudônimo Raumsol, foi um pensador e humanista argentino, criador da Fundação Logosófica e da Logosofia, ciência por ela difundida. Nasceu em Buenos Aires, em 11 de agosto de 1901 e faleceu em 4 de abril de 1963. Autor de uma vasta bibliografia, pronunciou também inúmeras conferências e aulas. Demonstra sua técnica pedagógica excepcional por meio do método original da Logosofia, que ensina a desvendar os grandes enigmas da vida humana e universal. O legado de sua obra abre o caminho para uma nova cultura e o advento de uma nova civilização que ele denominou “civilização do espírito”.