Levei muito tempo para me encorajar e relatar aqui uma experiência que vivi com um de meus netos. Foi quando nasceu, no ano 2000. E o faço agora, mais de vinte anos depois, por ter muita convicção sobre tudo o que vivi e experimentei e para não mencionar nada que não fosse absolutamente genuíno sem os resquícios da imaginação.
Seu nascimento se deu em junho de 2000. Eu comecei a estudar Logosofia em julho de 2001. Eu não tinha ainda, portanto, obtido os conhecimentos necessários para poder compreender a experiência que estávamos passando, a criança e eu.
Essa experiência se estendeu por pouco mais de dois anos e ela foi se modificando. Nesse intervalo de tempo, fui ampliando meu entendimento e conhecimento até poder fazer as conexões entre os fatos ao longo do tempo.
Acompanhando o início de uma nova vída
Nessa época, morávamos juntos, de modo que acompanhei a experiência desde que todos chegaram em nossa casa vindos da maternidade. O neném pouco dormia, chorava muito. E quando não estava chorando buscava encontrar o olhar de alguém.
O que era diferente e comovente era ver um recém-nascido com aquele tipo de olhar profundo e inquisidor como se não estivesse entendendo muito bem o que estava acontecendo com ele. Nos imbuíamos de toda a paciência e desvelo para acalentá-lo com nosso amor e paciência em todos aqueles momentos em que chorava.
Na busca de acalmá-lo, fomos introduzindo no nosso contato um acalanto falando com ele. Ainda ouço minha voz conversando com o neném, aninhado em meu colo, falando bem baixinho: “Vovó está aqui com você!” “Está tudo bem no seu mundo!” “Nós te amamos… confia na gente, nós vamos sempre ajudar você!” “Relaxa! Vamos caminhar ao seu lado. Estamos todos juntos!”
Esse contato íntimo ia provocando nele uma serenidade até que conseguia adormecer. Mas não raro, no meio da noite, tínhamos que repetir esse mesmo acalanto. Essa forma de agir foi por intuição e sensibilidade tanto da mãe como da avó. Sentíamos que ali se manifestava um momento que era seu e que nós devíamos compartilhar com ele de forma amorosa e gentil.
Ensinamentos da ciência logosófica sobre esse início de vida
Com o passar do tempo, lendo o romance “O Senhor de Sándara”, encontrei uma passagem que me trouxe uma emoção muito grande. Vi retratado no livro o relato daquilo que o nosso neném estava passando e vivenciando enquanto espírito. Naquele mesmo dia, sem dizer nada, pedi a minha filha que lesse aquele trecho do livro. Ao lê-lo, ela imediatamente manifestou: “O autor está falando exatamente do quadro que o bebê está apresentando”
A partir desse dia tivemos ainda mais cuidado e respeito por aqueles momentos tão íntimos e profundos que ele estava vivenciando e redobramos a nossa paciência como também passamos a dar mais importância ao nosso acalanto. A sensação que me dava era que aquele era um momento sagrado para ele, que necessitava desvelo, paciência e muita ternura e o que poderíamos fazer era realmente oferecer-lhe nossa doação de amor e de enlevo no compartilhamento.
Fases da infância mudam, e os desafios também
O tempo foi passando até que chegou um momento em que ele começou a dormir. Mas logo começou uma nova fase, quando começamos a perceber ser, de certa forma, a continuidade da primeira. Agora, ele já estava começando a falar e conseguia se comunicar.
Nessa fase, ele começou a manifestar ter uma agonia em estar vestido. Todo o tipo de roupa o incomodava. Passamos, inclusive a comprar somente roupa de malha, pensando que era algum tipo de reação aos tecidos. E a cada troca de roupa, ele mesmo escolhia o que “pudesse” usar.
O interessante é que nessa progressão, ao se vestir, ele dizia, na sua maneira de se expressar sentida e chorosa: “Vovó desculpa, eu quero, mas eu não consigo”. Nossa atuação sempre foi a de dar importância ao que ele dizia de forma sempre tão tocante.
E me lembro que num desses dias eu falei com ele: “Você não precisa pedir desculpas, nós sabemos que ainda está difícil para você, mas um dia isso vai passar … a gente te ama muito …..” E ele na mesma hora retrucou: “Obrigado, Vovó!”
A essa altura, já sabíamos há um bom tempo que estávamos vivendo um processo que não era somente físico. E que tínhamos que continuar procurando compreender a situação, para conseguir continuar ajudando. Não vou dizer que todos esses momentos tenham sido fáceis porque não foram e exigiram de nós extrema habilidade, amor, paciência e muita sensibilidade. Mas poder ultrapassá-los foi extremamente gratificante e hoje, mais do que nunca, sentimos que a ajuda que pudemos dar a ele foi de espírito para espírito.
Pouco tempo depois houve uma nova fase bem intensa, que durou bem pouco, e que agradecemos muito por ter sido principalmente a fase final desse processo. Foi um momento bem duro. Ele passou a acordar esporadicamente, tirava a roupa, passava a mãozinha pelo corpo e falava: “Tira, tira…”. Era como se quisesse tirar a sua pele. Logo conseguíamos acalmá-lo. Hoje, tenho a convicção absoluta que nosso espírito nos colocou palavras “benditas” em nossa voz para que pudéssemos ajudá-lo.
A eternidade de nossas vidas se mostrando na infância
Certo dia, em situação semelhante, pedi para ele ver se conseguia parar de chorar, porque eu tinha algo muito importante para conversar com ele. Perguntei com muita suavidade, da maneira mais leve que consegui: “Vovó gostaria muito que você entendesse uma coisa muito importante, você vai prestar atenção?”. E ele balbuciou: “Vou…”, já sem chorar e com aquele olhar profundo que eu já conhecia bem.
Esse olhar me deu mais força para continuar: “Querido, nós vivemos num mundo onde precisamos do nosso corpo para podermos fazer as coisas. E esse corpo precisa da pele para poder vestir a roupa. Será que deu para você entender isso? Que seu corpo é uma coisa maravilhosa? Olha só como está sendo bom a gente ter corpo e podermos estar agarradinhos aqui fazendo um chamego gostoso!”
Foi a pedra de toque que faltava! Ele finalmente compreendeu.
Meses depois, já perto de fazer três anos, quando ele voltava de um passeio a Mauá com seus pais, ele quis dormir na minha cama. Nos embolamos na cama e ele, de repente, olhando bem dentro dos meus olhos, falou: “Vovó, você só brigou comigo uma vez, em todas as minhas vidas …”.
Aquilo me deixou perplexa, porque eu já tinha bastante elemento no meu interno para poder entender o que ele estava dizendo. A única coisa que me veio à mente foi dizer: “Oi querido, então desculpa a vovó… as vezes o adulto não entende a criança”.
Ele pegou meu rosto com as duas mãozinhas, me beijou e disse: “Não tem importância não Vovó, a gente se ama de qualquer jeito…”
Esse dia foi a coroação de uma experiência de quase três anos que terminou de uma forma cheia de gratidão. Passei a compreender a grandiosidade da transcendência e da eternidade de nossas vidas. Reflito sempre em como teria sido extremamente difícil se eu não tivesse já em meu interno alguns elementos de valor e conhecimentos sobre a Lei de Herança, sobre o mundo metafísico e sobre a eternidade.
Em Logosofia nada se adquire sem conhecimento e experimentação. Algumas vezes, o ser vivencia experiências que necessitam um tempo longo de conhecimento para serem absorvidas e compreendidas no interno. E são em momentos como esses que se tem que estudar aquilo que se experimenta com muita limpeza mental e pureza no coração.
Há momentos em que se conhece um ensinamento, mas como fazer para experimentá-lo? De onde e como vai surgir a experiência?
Nesses casos é necessário conhecer muitos ensinamentos para fazer o labor de juntar, unir e prender para chegar a compreender. Em muitas vezes é preciso ter que tocá-los primeiro através da sensibilidade para depois atestar a verdade do ensinamento com a experiência vivida.
A Logosofia nos prepara dando elementos de conhecimento de uma nova e maior hierarquia para que possamos entender a natureza humana e a herança espiritual de cada um. Aos poucos se vai descortinando um novo mundo, um mundo de maravilhas metafísicas até então encobertas pela falta de conhecimentos transcendentes, que muitas vezes apresentam a realidade do mundo extrafísico.
Essa experiência que começou com o olhar do meu neto, me abriu os olhos. Os olhos do entendimento.