Um raio cai duas vezes em um mesmo lugar?
Se você, caro leitor, pensar na resposta a essa pergunta, provavelmente será uma negação – ou, no mínimo, a conclusão de que a chance de um acontecimento como esse se concretizar é extremamente pequena.
Mas se algo tão raro assim acontece é porque devemos extrair algum aprendizado dessa experiência, não é mesmo?
Levando essa reflexão para os campos da vida, diversas situações acontecem e, muitas vezes, não lidamos com elas da forma como gostaríamos ou como nossa sensibilidade nos sugere.
Mas qual seria a chance de uma mesma situação se apresentar para uma pessoa no futuro?
A trajetória da vida não é como um jogo de videogame em que podemos pausar e voltar ao nível anterior para ter uma segunda chance de concluí-lo de outro modo. Na verdade, o que geralmente ocorre é que situações vividas de maneira equivocada geram um arrependimento interno; porém, como o fato já passou, acabamos pensando que nada mais pode ser feito.
Por um período de tempo, eu também pensava assim. Desde criança, recordo que meus pais sempre diziam a mim e ao meu irmão que deveríamos ser melhores amigos e cuidar um do outro. Conviver com alegria e afeto sempre foi algo natural para nós.
Com certa frequência, quando estava com meus colegas da escola, ouvia dizer que a convivência com seus irmãos ou irmãs era conturbada e que, em alguns casos, nem sequer existia essa amizade entre eles em seus lares.
Eu e meu irmão fomos crescendo, e a convivência continuou sendo alegre, respeitosa e repleta de amizade. Porém, quando chegamos à fase adulta, as demonstrações de carinho foram ficando mais raras.
Hoje observo que, por vezes, somos influenciados pelas condutas que observávamos entre irmãos de outras famílias e pelo preconceito de que dois irmãos adultos não precisam demonstrar carinho e cuidado um pelo outro.
Como estávamos quase sempre juntos, parecia que apenas conviver já seria suficiente para que o outro entendesse o sentimento que compartilhávamos, mesmo que algo em meu interno me indicasse que eu poderia demonstrá-lo sem me preocupar com esses receios.
Há alguns anos, meu irmão participou de um processo seletivo de intercâmbio e foi selecionado para passar um semestre estudando em uma faculdade do outro lado do mundo.
Ficamos felizes e entusiasmados com a experiência que ele iria viver; afinal, seria uma oportunidade única de aprendizado e aperfeiçoamento. Eu também fiquei muito feliz e cheguei a pensar que nem sentiria tanta saudade dele, já que o intercâmbio no exterior seria de curta duração.
Na semana anterior à viagem, minha mãe me contou que daria uma surpresa a ele, para que sentisse menos saudade de casa durante o período em que estivesse distante, e senti que também poderia fazer algo, como escrever uma carta. Mas deixei que essa iniciativa de demonstração de afeto ficasse esquecida dentro de mim.
A semana passou, ele partiu para a viagem e, logo no dia seguinte, senti dentro de mim uma reprovação, como se soubesse que deveria ter feito algo, e percebi que havia deixado a oportunidade escapar. Essa sensação permaneceu comigo por algumas semanas.
Buscando compreender melhor o que eu estava sentindo, recordei-me do seguinte trecho de um livro de Logosofia:
A capacidade receptiva da sensibilidade é mais rápida e eficaz; percebe velozmente a proximidade de uma verdade, antecipando-se à razão e ao entendimento em seus lentos e refinados procedimentos analíticos, motivo pelo qual se poderia considerá-la como o radar psicológico do homem, capaz de captar ou de denunciar verdades próximas ou distantes. (O Mecanismo da Vida Consciente, p. 11)
Após estudar e refletir sobre esse ensinamento, compreendi que a sensibilidade é uma força poderosa, capaz de nos indicar qual caminho seguir ao tomar uma decisão, principalmente quando ela envolve um sentimento que queremos cultivar. Ela me mostrava que eu deveria ter me esforçado para escrever uma carta ao meu irmão, fortalecendo o afeto, a amizade e o vínculo que compartilhamos. Mas de que adiantaria entender isso depois que ele havia viajado e a oportunidade já tinha passado? Afinal, não existe uma maneira “pausar o jogo” e tentar novamente.
Também tenho aprendido que de toda experiência pode ser extraído um aprendizado e que a percepção do erro deve ser encarada como princípio de acerto.
Meu irmão retornou do intercâmbio, e tenho me esforçado para observar e aproveitar as oportunidades de cultivar o afeto que tenho por ele.
Este ano, recebi a notícia de que ele embarcaria em mais uma aventura, desta vez por um tempo ainda maior. Minha sensibilidade me indicou que, agora, eu deveria atuar de maneira diferente.
Além de ser mais cuidadoso e consciente da convivência com meu irmão nos últimos meses, senti meu coração se encher de felicidade ao conseguir escrever uma carta para ele, expressando o quanto ele é importante na minha vida e estava contente por essa nova oportunidade em sua trajetória.
Escrever a carta foi uma conquista e também o resultado de um processo iniciado muito antes, cujo objetivo era cultivar um nobre sentimento pelo meu irmão querido.
Mas e os raios? De fato, esses eventos da natureza não costumam cair no mesmo lugar, e mesmo quando caem próximos, só é possível perceber isso se houvermos observado cuidadosamente ocorrências anteriores. Assim como os cientistas estudam esses fenômenos para coletar dados e compreender melhor os eventos futuros, também tenho aprendido a ser cientista da minha própria vida, preparando-me para as experiências que viverei, sejam elas semelhantes ou não.