O conhecimento logosófico edifica nos seres humanos uma nova concepção da vida e do Universo, enquanto destrói o falso, o fictício, e elimina o supérfluo. Tem a virtude de erguer o espírito e estimular a vontade, que nem sempre se mantém à altura do esforço exigido pelo trabalho, por demais importante, que é preciso realizar na vida interna.

Existe uma questão que se fez presente no mundo inteiro, para incitar o ser humano no transcurso de seus dias. É a seguinte: por que sou tão pouca coisa, que para os demais é como se nem existisse? E tal questão se converte ao mesmo tempo numa aspiração, que muitos sentem e muito poucos entendem: ser alguém.

Todos, e em todas as partes do mundo, têm essa aspiração, o que deixa bem claro que cada pessoa sente a necessidade de superar a si mesma em suas atuações habituais. Mas querer ser alguém não é o que comumente se crê. No mundo corrente, de modo geral, o homem aspira a isso com propósitos mesquinhos e egoístas, seja para provocar inveja, admiração, seja para ser levado em conta obrigatoriamente pelos que o consideram como alguém, reservando para si o direito de atender ou não aos requerimentos dos que, segundo ele, não são
nada. Quase sempre se começa buscando ser alguém nos diversos campos da atividade humana: ou nas profissões, na ciência, na arte, na política, no comércio, na indústria, ou em quaisquer das formas em que o homem possa se revestir de alguma autoridade ante os demais. Pode-se dizer que é esta uma aspiração unânime, sem exceção. Pensando em ser alguém, estuda-se, trabalha-se ou se procura com esmero melhorar as condições pessoais.

Mas isso é muito pobre se contemplado num enfoque verdadeiro e se estiver bem determinado o que representa ser alguém. Na realidade, tal vocação exige construir sobre uma base cujos alicerces sejam sólidos. Conhecer cada um dos erros e deficiências que possam impedir sua conquista, a fim de corrigi-los: eis uma das coisas que com maior empenho devem ser praticadas. É necessário que cada um compreenda que, pra ser alguém, deverá forçosamente deixar de ser o que é: um ser, por exemplo, com poucas condições ou sem nenhuma, sem maior capacidade, sem perspectivas na vida, que vaga pelo mundo como uma sombra na
qual ninguém repara. Aquele que é alguém é visto por todos, mesmo que não se empenhe nisso. Muitas vezes, porém, acontece que, mesmo em se tratando de uma pessoa de grandes condições, cada um dos que olham para ela a vê a seu modo, isto é, através dos próprios erros, defeitos e dos diferentes pensamentos que povoam sua mente. Por isso, quem queira ser alguém deve preocupar-se em ser verdadeiro em tudo, de maneira que nada do que dissemos possa afetá-lo. Que sua palavra seja sempre construtiva, que suas atuações e conduta mereçam sempre o respeito de seus semelhantes, já que neles se edifica o conceito que sua pessoa ou sua vida deve merecer, que é o que haverá de protegê-lo de todo ataque.

E não é questão de procurar ser alguém por um breve tempo, por exemplo, ainda que desse tempo dependa a vida. É necessário sê-lo sempre, como o são aqueles que, tendo deixado de existir fisicamente, continuam vivendo na recordação de todos, ao longo dos séculos. Este ensinamento deve guiar até a compreensão da importância que assume a superação individual. Ao mesmo tempo, deve levar a compreender, sem engano, o que cada um é, para poder assim conhecer, mediante o constante cultivo dos conhecimentos, o que é que, em verdade, se quer chegar a ser.

Pois bem; dissemos que, para ser alguém, é de todo necessário substituir aquele que não é nada. Isso significa corrigir as deficiências, os defeitos, os erros, já que, se forem mantidos, existirão grandes impedimentos para se alcançar o propósito almejado. De que servirão os esforços e as energias que empregamos na vida diária, se não existe uma orientação bem definida quanto ao que constitui nosso anelo? Ou se, esquecendo-nos de dar forma ao que anelamos, pomos a preocupação em coisas que não vão cimentar a base em que o nosso novo ser terá o seu pedestal?

Diariamente se observa o constante empenho de uns e de outros em ser mais, mas não em ser esse alguém a que nos estamos referindo. Ser mais significa, na vida corrente, possuir algo mais do que os outros possuem, mas não no aspecto integral do indivíduo, o que já é matéria de uma preparação mais elevada. Ser mais nisto ou naquilo satisfaz, sim, à vaidade pessoal, mas não à consciência. Essa é a causa pela qual o homem sente muitas vezes necessidade de reunir-se com outros para realizar em comum uma obra edificante, cuja realização, empreendida
individualmente, se mostraria penosa ou impossível. É o ensinamento da própria Criação, que uniu todas as coisas e todos os seres para cumprirem sua missão em estreita colaboração.

Ninguém pode viver isolado, já que se anulará como pessoa normal no conjunto da vida dos semelhantes. O constante relacionamento com outros, o intercâmbio de pensamentos, a observação – que determina com frequência importantes mudanças na vida, pelo que dela se extrai –, fazem com que a pessoa prospere internamente, estimulando com isso o anelo e a vontade de realizar a missão proposta. A força de um, unida à dos demais, soma uma força maior; o pensamento de um, unido também ao dos demais, quando é da mesma espécie, forma um grande pensamento. Se não se conta com forças suficientes para suportar esse constante esforço que a evolução consciente exige, será preciso recorrer aos pensamentos daqueles que vivem alentados por iguais propósitos. Dessa maneira, extraindo também de tudo que exista em torno, e que seja observado, parte dessa força que não se tem ou que se gastou, cada um poderá fortalecer seu espírito conscientemente. Impulsionado por essa força, ser-lhe-á
possível seguir sem se cansar, avançar sem se deter e pensar sem temor.

De modo que é necessário, portanto, chegar a compreender que ser alguém representa sobressair ao comum, ao vulgar; representa haver conseguido uma superioridade que não deverá ser motivo de vaidade, mas sim de boa disposição de ânimo para oferecer tão valioso concurso aos que não são nada. Esta será a verdadeira superioridade, a que cimenta o bom conceito e coloca o homem acima dos demais.

Vamos projetar uma imagem ilustrativa, tomando o caso de duas pessoas que, segundo se pensa, são alguém. Vamos até uma delas e encontramos sua receptividade, seu conselho e sua palavra sempre disposta a oferecer o que necessitamos. Recorremos à outra e encontramos o frio da indiferença, o egoísmo. Deixemos, agora, passar um tempo. O que ocorrerá quando tiver passado? Que todos apreciarão a primeira, estimarão e considerarão sua pessoa de acordo com o que ela é. Enquanto isso, a segunda pessoa terá desaparecido da recordação de quantos a conheceram, para perder-se na penumbra dos que não são nada. A primeira é um espírito aberto, sem fingimentos, que se oferece com generosidade, por saber que necessitam dela, mas que também é justa, reta e severa na medida de seus deveres e responsabilidades: reprime o abuso, freia a insensatez e dá a cada um o que merece. As pessoas sempre recorrem a ela para se beneficiarem com sua palavra, com seu saber e ainda com seus bens ou com o que tenha. A
segunda, que nada conhece dessas coisas, teme o saqueio mental dos que vão vê-la e guarda seus pensamentos, suas palavras, seus bens e tudo que possa ter. Em pouco tempo, ninguém a visitará mais. Temos, assim, alguém que perdura e perdurará ao longo do tempo, já que sua recordação por si só já é um bem para quem o tem em sua mente; e temos também o outro alguém, que vai desaparecendo nas fumaças da vaidade.

Continuemos com outros aspectos sugeridos pelo tema que estamos tratando. No mundo, todos trabalham, esforçam-se, cumprem com seus deveres, mas, em sua maioria, fazem isso como uma obrigação que contraria sua vontade. E, assim, passam os dias de sua existência sem cumprirem o fim primordial dela. Diferentemente disto, aquele que tenha concebido a vida como algo muito superior ao que ela é no conceito geral trata de criar necessidades internas que o impulsionem a realizar mais e mais, até onde chegue sua capacidade de realização. Não cumpre seus deveres por obrigação, pois terá chegado a superar essa limitação, e tais deveres nem sequer pesam em sua mente a modo de preocupações, como ocorre com os demais. Ele foi além, libertou-se da meta comum dos seres, para alcançar outra muito mais elevada e maior; abre, em cada oportunidade, novas brechas no mundo dos pensamentos, e para lá dirige seu esforço, inteligentemente, a fim de captar os sinais que haverão de conduzi-lo a conhecimentos maiores. E é então que o homem, ao compreender o que pode sua mente abranger, ao conseguir que sua inteligência o ilumine cada dia com maior esplendor, experimenta a sensação de ser, de verdade, algo mais que seus semelhantes, de ser alguém como entidade real, cuja existência tem um significado. Possui, já, o domínio sobre as coisas, domínio do qual as pessoas em geral carecem; é dono de sua mente, de seus pensamentos e de suas palavras; sabe conduzir seu espírito através de todos os obstáculos; sabe se curar tantas vezes quantas é ferido pela maldade dos que têm em suas mentes pensamentos perversos, e assim é como consegue imunizar-se contra as correntes do mal, enquanto conduz por todas as partes as do bem.

A presença de uma pessoa assim infunde ânimo, confiança, segurança e serenidade em todos quantos a rodeiem, cujas mentes quase sempre estão expostas às mil alternativas que, de forma imprevista, sobrevêm na luta diária. Deriva disso a marcante instabilidade dos pensamentos do homem, o qual deve com frequência precaver-se contra eles, para evitar os sérios desgostos que costumam ocasionar-lhe quando não consegue detê-los a tempo.

Aquele que chega a ser dono de suas palavras, que chega a respeitá-las, a ter consciência de que são verdadeiras, conhece igualmente o conteúdo das palavras dos demais, e sabe também respeitá-las, se são sinceras e elevadas.

Ninguém poderia negar que, ao lado de quem ensine, se aprende; e, se isso é uma grande verdade, tampouco se poderia negar que, ao lado de quem inspire confiança, até o mais desconfiado inclina sua cabeça e senta a força dessa confiança. E, se mantiver com ele um assíduo contato, seguramente acabará por encher a si mesmo de confiança, porque, diante de sua volubilidade, de sua instabilidade, de seu desequilíbrio, estará o firme, o inalterável, que modificará inevitavelmente o que foi edificado no erro. Quando isso acontece, nasce a confiança mútua, produz-se a identificação dos espíritos pela unidade no sentir e no pensar, pela demonstração constante da firmeza inalterável na conduta imposta como lei para a vida.

As substâncias afins se atraem, e as que não o são se repelem; aqui temos um axioma que é lei em química. Aplicado aos seres humanos, quer dizer que estes se unem somente por vibração simpática, por atração de suas similares modalidades, pensamentos ou aspirações, e que a força de quem sabe e pode influi decisivamente sobre a impotência daquele que, apesar disso, responde com seu sentir a essa força. Convém que tal reflexão, que adverte sobre a conveniência de buscar a proximidade de quem possa auspiciar as boas aspirações, não seja esquecida, já que todos no mundo, como já dissemos, almejam, almejaram e continuarão almejando ser alguém. Mas esse alguém, entendamos bem, deve ser
verdadeiro, um alguém que não mude de fisionomia como aquele que não o é, ou que, havendo chegado a ser o que queria, não deixe de sê-lo, retornando ao que era antes. Isso significa que, quando um propósito tiver levado uma pessoa à determinação de alcançar um fim, esse fim deverá ser cumprido, nunca truncado, pois seria o mesmo que querer viver uma vida e truncá-la na metade de seus anos.

Se existe algo contra o qual o homem deve lutar decididamente, é todo pensamento que pretenda contrapor-se aos propósitos de bem que acalentam uma aspiração. A palavra que se pronuncia internamente não deve jamais ser desvirtuada, porque é a palavra do sentir, da consciência; a palavra da própria vida, que reclama para si a glória de ser melhor.

Na vida humana, sempre se observou que as pessoas vivem em constante confusão e contradição consigo mesmas: negam o que disseram ontem; afirmam o que negaram no dia anterior; dizem hoje o que negarão amanhã, ou até mesmo antes de esse dia chegar. Mais valeria não falar, se o que se vai dizer haverá de ser negado ao se perceber o erro ou a inconveniência de sustentar o que foi dito. Quando não há firmeza na palavra, tudo o que a pessoa é se torna falso: pode ser um ente humano, sim, mas só na figura, no organismo, porém não por aquilo que constituiem realidade a essência da vida. O ser íntegro, o ser verdadeiro, é aquele
que conseguiu retirar de sua pessoa o que é falso, o que é fictício e volúvel, o que atenta contra a própria integridade pessoal.

É um timbre de honra − graça que ninguém poderia arrancar a quem a tivesse alcançado, por mais que a isso se dispusesse − poder ser dono absoluto da palavra e fazer com que ela seja reconhecida como inalterável, como imodificável, dita que seja em qualquer época, em qualquer momento ou circunstância. Essa palavra é a que torna a pessoa veraz, a que a revela aos demais como alguém que não teve nunca necessidade de modificar nem a palavra nem seu conteúdo.

Quem é alguém não utiliza as palavras para destruir o que é bom, ou para fazer mau uso delas, porque sabe que destrói a si mesmo. Daí nasce a primeira sensação de consciência, pois implica o conhecimento dos deveres internos para consigo, para com os semelhantes, para com a humanidade. Começa por se respeitar, respeitando a própria palavra, fazendo com que ela jamais saia de seus lábios para ferir a ninguém e, em consequência, tampouco fira a quem a proferiu. Todas as palavras contêm o bem, quando quem as pronuncia estabeleceu em sua consciência as bases do bem.

E, assim, enquanto as vidas enaltecidas pelas grandes realizações
do espírito adquirem força e se estendem através das gerações e do
tempo, as outras, as vividas pelos seres volúveis, inseguros de seus
passos, que mudaram constantemente suas palavras, que as nega
ram e se contradisseram, que juram hoje e perjuram amanhã, essas
vidas se desintegram em consequência da destruição contínua a que
sempre estão submetidas.

Tudo o que ficou dito pode dar a pauta do valor que tem a palavra para a
vida do ser humano. Propiciar na consciência a virtude de elas sempre por
tarem o selo característico da legitimidade, eis uma conquista que é necessário alcançar. Se pensarmos que por sustentarem uma palavra muitos chegaram até o máximo sacrifício, não será difícil compreender a importância vital
que ela tem para a condução da vida e para conseguir aquilo que cada um
de nós se propôs como fim primordial de sua existência.

Para que ninguém se engane e não sejam desperdiçadas forças e energias, temos de prevenir que se deve ter bem presente que não é possível
virar as costas para as palavras que se pronunciam. Estas nunca deverão, pois, ser expressas somente por expressar, como se nada tivessem
a ver com quem as pronuncia, pensando que, uma vez ditas, elas se
perdem ou são esquecidas. As palavras têm suas leis, e estas são, como
todas as Leis da Criação, inexoráveis.

Ser fiel às palavras é ser fiel à própria natureza que lhes infundiu vida.
Quem as destrói − já dissemos isto − destrói a si mesmo; quem cuida
delas se engrandece ante os demais e engrandece, assim, sua existência.

A palavra foi dada ao homem para que ele se entendesse com seus
semelhantes, mas ela é também o agente da própria vida, que o representa e faz com que exista na mente deles.

Não se deve apressar nunca a palavra falada, para poder dar tempo
a que a reflexão controle seu conteúdo. Isso sempre foi e é a causa
dos maiores infortúnios do ser humano, o que produz toda espécie
de reações, por se ignorar que a palavra cria responsabilidades e
obrigações. Se estudarmos a história da humanidade, veremos a
enorme soma de episódios em que a palavra foi motivo de discórdia, desgraça e tragédia.

Quem é veraz em suas palavras é veraz em tudo, pois a palavra, sendo fruto da própria pessoa, expressa o que ela sente, o que foi ditado por sua vontade e, portanto, não precisará ser modificada. Mas para isso é preciso que ela esteja atenta a tudo, que observe muito, que estude; é-lhe exigido cultivar tudo o que de bom exista dentro dela, aumentar todas as possibilidades que as condições pessoais possam ter; sentir a mais absoluta segurança de ser verdadeiramente dona da palavra que seus lábios emitiram, o que, em síntese, significa ser consciente. É então que se experimenta a sensação de ser na verdade alguém entre os semelhantes, a sensação de existir em realidade e de ser alentado pela verdade mesma, pois esta é a repercussão que a palavra tem no ser humano, quando ela é a fiel expressão do sentimento próprio e dos ditames da consciência.