Por que existem tantas desavenças entre as pessoas, e por que cada uma, estando fora de seu lugar, pretende estar em sua razão?
Quem na realidade é muito mais do que aparenta, trata sempre de não se distanciar demais do semelhante, para poder observá-lo bem e escutá-lo melhor. Dessa forma, o compreenderá, sendo lógico que uma boa compreensão já é um elemento de valor, é uma ajuda instantânea que o outro recebe, porque é sabido que quando um ser aflito expressa sua emoção e seu estado de ânimo a um semelhante, sente imediato alívio ao encontrar nele compreensão.
Neste jogo de movimentos mentais, é fácil ver como aparece sempre a parte negativa do ser, que é, ao mesmo tempo, sua própria negação e sua inimiga.
Cada um busca com insistência algo e, nessa busca, põe todo o seu empenho, suas energias, seus afãs e seus anseios. E o que é que busca? Ser mais feliz, possuir mais; em síntese: ser mais do que é. Porém, preocupado com tal busca, esquece constantemente o que ela deve significar para sua vida.
Se, por exemplo, alguém está com sua casa vazia e quer ocupar todos os seus espaços com móveis e adornos, é lógico que, cumprido esse desejo, deva sentir-se satisfeito e feliz. Pois bem, muitos passam a vida enchendo e esvaziando a própria casa: quando está vazia, imploram para que esteja cheia e, quando isso acontece, ficam saudosos dos tempos em que estava vazia, para voltar a sentir a aspiração de enchê-la.
Provaremos a verdade do expressado. Muitos não passaram a vida inutilmente; algo já possuem, uns mais, outros menos. Mas, se verificassem em sua mente, é certo que achariam nela muitas coisas esquecidas; possivelmente muitas dessas coisas são as que agora buscam com empenho conquistar, sem notar que já as têm há muito tempo.
O ensinamento logosófico, com sua força construtiva, busca despertar a consciência para que esta ilumine toda a vida interna do ser.
Se somos conscientes do que temos e nos sentimos felizes com essa posse, devemos cuidar para que nada nos afete e nem diminua em nós a consciência do que possuímos.
De modo que, se somos possuidores de uma parte de felicidade, por exemplo, não a esqueçamos em nenhum momento e, muito menos, não nos amarguremos com os pequenos incidentes da vida diária, que surgem ameaçando perturbar a calma de nosso espírito.
É preciso evitar sempre o ofuscamento, a obstinação e o descuido em que muitas vezes se incorre, por não prestarmos atenção ao que possuímos, pois, mesmo podendo desfrutar conscientemente essa parte feliz de que dispomos, tornamos a vida triste, amargurando-nos por coisas que deveriam ser observadas com serenidade, sem deixar, em momento algum, que penetrassem no ânimo para afetá-lo.
O ser que é consciente dessa parte de felicidade deverá antepô-la como uma couraça contra o mal em todos os instantes de sua vida.
Extraído de Introdução ao Conhecimento Logosófico, p.286