Depois de anos sob o jugo de uma terrível tirania, finalmente assumiu o poder o eleito da vontade. Fato é que, quando esta se empenha na realização de um propósito, não há obstáculo capaz de detê-la. Recém assumido seu posto e sem o conhecimento dos mecanismos que dispunha a seu favor, o eleito não demorou a enfrentar dificuldades para o cumprimento de sua missão.
O antigo déspota ainda exercia forte influência sobre seu mundo. Não fosse a firmeza do propósito de mudar a realidade em que se encontrava, certamente teria cedido as resistências que colocavam em risco seu triunfo. Ele sabia que a liberdade não é mera prenda concedida, mas sim um direito que se conquista na prática constante do conhecimento e, por isso, não esmoreceu na luta.
Essa passagem épica bem poderia ser a narração da trajetória de uma nação em busca de liberdade, mas a realidade é que tudo isso se passa dentro de mim. Vivo constantemente essa luta para assumir o domínio de meu mundo interno. Quantas vezes não me peguei agindo contrário à minha vontade para atender as demandas de um tirano pensamento? Com medo do “o que vão pensar? ” Ou de me expor ao ridículo? E foi contra um pensamento que vivi, há anos atrás, uma das lutas mais marcantes…
Estava sem aulas na faculdade, devido a um período de greve. Ainda no início de minha graduação, não queria desperdiçar tempo de forma improdutiva. Conversei com um amigo que fazia pesquisas em um laboratório e o pedi que me apresentasse ao professor que o orientava, com o propósito de ingressar à uma equipe de um projeto. Combinamos de nos encontrar na faculdade dias depois. Porém, quando eu já estava lá, ele descumpriu o acordo e não apareceu. Como já havia saído de casa, resolvi me apresentar ao professor por conta própria.
Depois de pouco procurar o laboratório que meu amigo havia indicado, o encontrei: uma enorme porta de metal azul, com uma campainha a seu lado. Nesse momento, me deparei com um tremendo obstáculo: a campainha! Diante do impetuoso botão, alguns pensamentos começaram a rodear minha mente de calouro:
Frente à pressão de argumentos tão convincentes, cedi às demandas do pensamento… e desisti! Voltaria outro dia com meu amigo presente, que seria bem mais fácil.
No caminho para o ponto de ônibus, parei para refletir sobre o que estava me impedindo de apertar a campainha. Não seria um pensamento de timidez que estava bloqueando minha ação? Eu queria iniciar uma pesquisa, estava ali só para isso! Porque então estava me deixando levar por um pensamento e não agindo de acordo com a minha própria vontade?
Nesse momento tive a liberdade de escolher: voltar para casa, fracassando em meu objetivo, ou enfrentar a tirania da timidez e apertar a campainha?
Frente a esse dilema, o eleito da minha vontade foi a decisão de cumprir com meu propósito.
Voltei ao laboratório, mas os pensamentos ainda tentavam me ganhar com suas argumentações. Não devo ter ficado mais do que um minuto frente à porta, mas internamente pareciam anos de luta. Finalmente, reuni forças e apertei a campainha!
Naquele dia, eu voltei para casa refletindo sobre quantas oportunidades não perdemos, quando não atuamos com liberdade e cedemos à pressão de pensamentos. O ser humano sempre lutou por liberdade, muitas vezes colocando em risco sua própria vida para isso. Afinal, ela é o alicerce de toda realização humana, e o meio para o cumprimento de nosso propósito.
Viver uma vida sem liberdade, seria o mesmo que não viver.
Ao entregamos o governo de nossas vidas para pensamentos alheios à nossa vontade, ficamos presos em um cárcere dentro de nós mesmos. O direito de ser livre, apesar de natural, não é consumado de forma automática. Nessa experiência, só pude escolher agir como eu queria depois de ter o conhecimento do que estava se passando dentro de mim: estava sendo conduzido pelo pensamento de timidez.
Daí que, para sermos livres, seja imprescindível o conhecimento das causas. Sem isso, podemos ser governados por pensamentos de toda índole sem a menor consciência do que está acontecendo.
Voltando ao episódio relatado, depois de apertar a campainha, falar com o professor e conseguir iniciar uma pesquisa, conquistei principalmente, um pouco mais de domínio sobre mim mesmo. Em outras palavras, a vontade ampliou seu reinado em meu mundo interno. E a luta continua. Em cada circunstância, um novo eleito da minha vontade será chamado a provar seu valor frente a outro pensamento despótico, sempre contrário à realização de meus projetos.
Não há, porém, luta mais formosa, pois é a única que nos permite exercer a verdadeira liberdade: aquela que surge de dentro de nós mesmos. É para construí-la que me empenho cada vez mais em conhecer meus recursos internos, pois só o conhecimento deles me permitirá agir com precisão contra aquilo que me limita.