“Esse menino não para em casa!” Aí está uma das frases que mais escutei dos meus avós, se referindo ao neto que a cada dia tinha algo novo para fazer.

Desde as competições esportivas na infância até os passeios com amigos na juventude, sempre gostei de estar em movimento. Alguns amigos costumavam destacar a minha disposição para sair com eles, já que nunca me queixava do lugar escolhido ou da hora apontada pelo relógio.

Mas se eu era tão animado assim, o que explica a minha enorme dificuldade em começar qualquer tarefa que me exigia uma atividade mental mais intensa ou que me levasse a interromper um momento de distração?

Se eu estava vendo TV e minha mãe me pedia para arrumar a mesa do almoço, eu me incomodava. Se eu tinha um trabalho da faculdade para fazer, era fácil encontrar um motivo para terminá-lo no último dia do prazo ou no ônibus, no dia da entrega.

As energias que sobravam ao corpo, faltavam à mente.

Por que esse desequilíbrio?

A contradição deixava claro, ainda que não pudesse perceber isto, que eu não tinha uma capacidade real de gerar estímulos para fazer com gosto as diversas atividades cotidianas. Mas se as energias físicas estavam em dia, o que me faltava para realizar mais e melhor?

Fazendo algumas observações sobre mim mesmo, hoje entendo que faltava força à minha própria vontade, que estava submetida à tirania de um pensamento nada agradável: a indolência, definida pelos dicionários como a condição de quem demonstra apatia e falta de entusiasmo.

A concepção logosófica afirma que ela paralisa os recursos ativos da vontade e torna o ser humano improdutivo, principalmente em atividades nas quais ele tenha alguma responsabilidade.

Era exatamente esse o cenário que se repetia dentro de mim: quando começava a movimentar a mente, pensando sobre algum problema ou atividade, apareciam imagens que desviavam o foco daquela situação, como:

  • As mensagens que não respondi;
  • O cachorro que me esperava para brincar;
  • O último capítulo da temporada de uma série.

Isto não significa que não devo ter estes momentos de lazer, mas o problema estava no fato de que eles se transformavam em pretextos para que a minha mente voltasse àquela inércia.

O resultado era sempre igual: me distraía, interrompia os movimentos conscientes que começavam e não terminava o que me propus a fazer, perdendo porções valiosas de tempo.

Incomodado com aquela sequência de distrações, busquei na gaveta mental um recado enviado pela Logosofia quando a conheci, mas que ainda não tinha visto com muita atenção.

Ela me convidava a explorar o imenso território que eu tinha dentro de mim, no qual poderia encontrar, aos poucos, as causas dos meus erros, acertos, limitações e capacidades.

Mas para tornar real essa possibilidade, deveria conhecer a população de pensamentos, sentimentos, estímulos, crenças, defeitos e aspirações que fazem parte dele.

Lembrando do adolescente que eu fui, me perguntei: “será que vou aceitar esse convite com a mesma prontidão que os que eu recebia para jogar bola ou ir a uma festa?”. Tomei dele a força e comecei, com passos lentos, a fazer uma auditoria interna, querendo identificar as causas daquele marasmo que eu sofria.

Os primeiros movimentos foram difíceis, porque descobri que estava acostumado a olhar para fora, apontando os erros do outro. Nesse negócio de observar o que acontecia dentro de mim, estava longe de ser um especialista.

A perseverança na atenção me levou a encontrar, entre os suspeitos, a indolência, que me fazia desperdiçar oportunidades diárias de aprender algo e ser útil a outras pessoas.

Sua presença nociva era evidente na minha vida, que ia passando de forma rotineira, comum, e eu seguia o caminho que as circunstâncias indicavam. Mas o primeiro passo na busca por vencer o mal que eu experimentava tinha sido dado. Qual seria o próximo?

Eu teria que criar mecanismos de defesa e fortalecê-los para combater as ameaças mapeadas. Quanto à indolência, me perguntei: “se ela me leva a uma posição passiva diante dos problemas e tarefas, então tenho que cultivar uma posição ativa. Mas como?”

Após essa reflexão vieram outras, que me levaram à seguinte conclusão:

Se quero começar a ter gosto pela iniciativa, então tenho que projetar dentro de mim os benefícios que terei ao realizar determinada atividade, porque assim posso ver com antecedência as sensações positivas que a sua concretização vai trazer. Essa foi a defesa mental que escolhi para agir contra a indolência.

Convite aceito, e agora?

Me recordo de um dos primeiros passos que dei nesse exercício. Certo dia, sozinho em casa e com fome, me deparei com a minha total inexperiência na arte da cozinha, que não desenvolvi por medo da minha tendência a derrubar objetos.

Mas enxerguei naquela situação a oportunidade de construir uma nova habilidade, pensando nas consequências felizes de desenvolvê-la. Percebi que caso conseguisse fazer bem aquele prato, eu poderia prepará-lo em outro momento para amigos ou familiares, retribuindo as diversas vezes em que cozinharam para mim com tanto carinho.

A indolência marcou presença na mente, sugerindo: “Não faz isso, o prato vai ficar ruim e você vai se arrepender.” Acionei aquele pensamento de defesa e contive a ameaça. Saí às compras, achei uma receita na Internet e preparei a iguaria.

O resultado foi um desastre, o prato ficou insosso e tive que jogá-lo fora. Mas em vez de afirmar que nunca mais tocaria em uma panela, senti uma grande alegria por sair da estaca zero e tentar fazer algo novo, que me permitisse ser útil.

Os estímulos gerados neste dia foram produzindo outros e, progressivamente, vieram novas situações em que pude exercitar o gosto pela iniciativa. Essa característica que queria conquistar foi se tornando mais natural, o que pude ver com mais clareza em uma experiência no trabalho.

Recebi a tarefa de apresentar uma parte do que aprendi com um projeto para toda a empresa. Mais treinado contra a indolência, aceitei rapidamente o pedido, ao contrário do colega que me acompanharia na apresentação.

Ao ser informado do dever, ele disse: “precisamos mesmo fazer isso? Vai dar tanto trabalho…”. Ali comprovei a valor da minha luta contra a indolência, pois consegui perceber em outra pessoa a ação de algo que tanto me fazia mal. Reconheci a mim mesmo naquele colega e não perdi a oportunidade de usar a minha defesa para ajudá-lo, enfraquecendo aquele pensamento negativo dentro dele.

Eu disse: “vai dar trabalho mesmo, meu caro, mas vai ser bom, porque para mostrar o que fizemos vamos reforçar o que aprendemos no projeto e descobrir novos conhecimentos que precisamos alcançar.”

Ele sorriu e começamos a montar a apresentação. O resultado, ao contrário da minha experiência gastronômica, foi excelente, e me dispus inclusive a fazer novas apresentações como aquela.

Com tais observações tenho percebido que começo a governar a minha vida à medida em que consigo fazer um bom uso das ferramentas que tenho dentro, identificando quais são e para quê servem.

Os conceitos logosóficos têm me guiado na busca pelo conhecimento de mim mesmo, que é um processo individual e que vou cumprindo de acordo com a minha realização e capacidade.

Assim vão se acumulando as pequenas vitórias no caminho para ser melhor a cada dia, uma levando à outra. Afinal, a indolência não é a minha única imperfeição, mas a alegria de diminuí-la aos poucos me traz a confiança de que posso vencer as outras que vou descobrindo.

Além disso, ao longo do caminho posso ajudar quem está ao meu redor, compartilhando o que tenho aprendido e estimulando que outros façam esse trabalho em si mesmos.

E então, será que valeu a pena ter aceitado aquele convite que parecia inalcançável, mas que tem feito cada vez mais parte da minha vida, se convertendo em um grande ideal? Se o leitor chegou até aqui, já sabe a minha resposta.