Um dos filhos de uma numerosa família do interior de Minas Gerais começou a apresentar grande dificuldade para dormir. Aconteceu de repente, sem uma explicação plausível. O menino de nove anos tinha uma vida saudável e muita atividade durante o dia. Mas, ao chegar à noite, quando todos já estavam dormindo profundamente, sempre se ouvia um ruído e resmungos – a criança dava pequenos socos na parede, como se quisesse chamar a atenção dos pais, até que o pai ou a mãe levantasse e o chamasse para ir para a cama deles. Aí, como um mistério, logo ele pegava no sono profundamente.

Os pais, embora sempre muito atenciosos com os filhos, ficavam sem entender o que se passava com aquele moleque! Às vezes, ao invés de o chamarem para dormir com eles, davam-lhe uma boa bronca – “fulano, que coisa mais chata! Você não vê que já está grande demais pra ficar com medo? Deixa de bobagem, assombração não existe!” Será que não existe mesmo? Pode até não existir no mundo real, mas na mente daquela criança com certeza havia muitas coisas que os pais nem suspeitavam – quantos personagens perambulavam na tela mental do jovenzinho…

Assim era a vida no interior: dias e noites longas, principalmente porque a televisão era ainda algo incipiente e restrito, e as crianças se deleitavam em brincadeiras de rua, no quintal da casa, nos campos das fazendas… Contar casos, recheados de muito exagero, era um dos passatempos do lugar.

Numa cidadezinha do interior, onde geralmente faltava luz à noite, qualquer sombra e ruído assumiam contornos e formas gigantescas para a imaginação das crianças, em especial se eram devidamente fomentadas pelos adultos.

A mãe era muito religiosa, já o pai não era dado à religião — e tampouco frequentava qualquer culto. Na mente daquela criança surgia sempre a
seguinte indagação: “… e se o meu querido pai morrer enquanto estiver dormindo? Oh meu Deus, se ele morrer, como ele não reza, não comunga e
muito menos vai à missa, está cheio de pecados mortais: ele vai direto pro inferno, que coisa terrível, eu não quero que isso ocorra! Foi exatamente isto que aprendi nas aulas de catecismo e de religião”.

Quanta pressão todos aqueles pensamentos faziam na mente do jovenzinho! Não havia diferença entre a realidade e os pensamentos que habitavam aquela mente, e o “conceito” que ele aprendera o atordoava e o confundia.

A Logosofia destaca a importância e o cuidado que se deve ter com a mente da criança, explica que:

Deve-se ter presente que muitos preconceitos vêm da infância, inculcados com a maior boa-fé pelos pais, nessa idade em que a
reflexão para nada intervém. Isso age nos filhos a modo de sugestão e é, portanto, um fator de perturbação que afeta consideravelmente a liberdade de pensar, quando a consciência, no auge da evolução, exige a confrontação sadia e racional com estes valores dos quais se tomou conhecimento.

Analisando o ocorrido, podemos depreender algumas conclusões interessantes: a primeira delas é a constatação de que cada ser tem suas
características únicas, e, por consequência, cada fato atua diferentemente na mente de cada um. Todos os filhos receberam as mesmas orientações, e somente um deles tinha essa incontrolável preocupação com a falta de religiosidade do pai, medo de ele morrer de repente e consequentemente “ir direto pro inferno”.

Outra conclusão é sobre a importância de selecionar o que se transmite à criança: um pensamento que chega à sua mente pode tomar os mais diversos rumos, em especial por estar em formação. Daí o dever do adulto em zelar por fazer chegar à mente infantil somente conceitos reais e verdades palpáveis. Esse dever cria uma grande responsabilidade no adulto, pois ele deverá rever em si mesmo os conceitos que recebeu ao longo de sua vida, para não incorrer no erro muito comum de transmitir ao filho exatamente aquilo que recebeu, sem se preocupar com uma revisão ampla de conceitos. Afinal, ninguém pode dar aquilo que não tem.