O ser que já ultrapassou a época dos sonhos quiméricos, quando mostra ardente vontade de superação e em verdade quer desfrutar mais prontamente as prerrogativas que a ampliação do saber confere, deve se dispor, com todas as forças de sua alma, a levar adiante, com digno entusiasmo e empenho, a tarefa de cultivar suas faculdades.

A vocação na vontade de aprender

Convém, por conseguinte, se não existem sinais que a evidenciem, começar por criar a vocação para o estudo, para a ilustração e o aperfeiçoamento. Essa vocação pode ser com certeza criada, se, auscultando o sentir, percebe que surgem aspirações de melhoramento, a qual se há de querer transcender, distanciando-a cada dia mais das condições superiores cuja conquista se tenta.

Deve-se entender por vocação o pensamento que preside e anima o esforço em tenaz correspondência com a vontade, que em nenhuma hipótese deve decair, uma vez definido e preparado o caminho a seguir.

Ao mesmo tempo, deverá formar-se um juízo bem-acabado sobre as preferências internas a respeito do saber, ou seja, se tão-somente se busca este saber para adquirir uma certa ilustração ou se é erigido como uma necessidade permanente do espírito e como finalidade primordial da existência. Em tal caso, o ato de estudar e aprender transforma-se fundamentalmente: reveste-se agora de todas as características da fecundidade, no natural exercício da função criadora do pensamento.

No primeiro caso, o ser humano somente busca melhorar suas perspectivas, fazendo mais cômodo o lugar que ocupa na vida de relacionamento. Sabe-se como a ignorância, que é ausência de conhecimentos, limita e dificulta a maneira de viver e os meios de atuar, já que, não sabendo como ser mais, o inapto haverá de se conformar com aquilo que licitamente e por justiça lhe é possível ter.

Porém, melhoradas suas condições pela instrução e pelo esforço na sua aplicação, é lógico que experimente o prazer inefável de seu adiantamento espiritual e material. Entenda-se espiritual porque é coisa muito certa que toda claridade que se consiga fazer penetrar na mente sempre tende a repercutir no sentimento, e este, por reflexo, atrai o espírito e, em consequência, a atenção para o que surge acima do material, enobrecendo a vida.

O conteúdo da vida no que se aprende

Quando se cultiva o saber simplesmente por cultivar, para satisfazer uma vaidade enquanto se permanece totalmente alheio à realidade e à força viva do conhecimento, o ser pode conseguir uma vasta ilustração e até chegar a colocar-se entre os que se destacam nas letras, nas artes, na política, nas finanças e em todos aqueles ramos do saber comum em que se elogia e se enaltece a personalidade. Isto, porém, não evita que ele sinta muitas vezes uma nostalgia indefinida, um vazio interno que não se consegue preencher com nada e que é resultado de tudo quanto foi construído sem objetivos perduráveis. Isso ocorre com aqueles que se esquecem de que a vida tem outro conteúdo, onde reside o porquê da existência.

Para conhecer esse conteúdo, é necessário internar-se em si mesmo tanto quanto o permita a própria evolução. Foram muitos os que em todos os tempos empreenderam esta tarefa, em sua maior parte levados pela crença de poderem desentranhar num curto prazo os mistérios que se ocultam nas profundezas da criação humana.

A imensa maioria voltou dessa incursão, malogradas as esperanças e quebrantados os esforços, trazendo como saldo a decepção e o desconsolo. Tal é a consequência das investigações infrutíferas, pois se desconhece a forma de realizar tão magna empresa e não se leva em conta, sobretudo, que os principais fatores que contribuem para seu êxito devem ser encontrados nos umbrais da própria vida, ali onde nasce tudo que cada ser possui de verdadeiro e puro.

A voz sábia, a que pronuncia a sublime linguagem da inteligência criadora, é a que ensina o caminho sem fazer com que o pensamento se extravie.

Quando o ser pretende escutar essa voz com os ouvidos do egoísmo, da fatuidade ou da insensatez, corre o risco de se perder, pois a própria cegueira impede toda orientação. Entretanto há seres se dispõem a encarar a questão básica do conhecimento essencial da existência humana.

O esforço de preparo de quem quer aprender

Quando os aspirantes ao conhecimento iniciador das elevadas verdades acudiam às fontes onde se ministrava o ensinamento criador, eram instruídos previamente acerca de como deveriam liberar a mente de todo pré-juízo e dispor-se a receber a luz que haveria de iluminar suas inteligências ávidas pelo saber superior. Isso prova que nada deve merecer um conceito de seriedade e estima maior do que esta ciência do pensamento supremo que encarna a vida universal e que aprofunda a vida humana até os seus rincões mais obscuros.

Como é possível, então, pensar que conhecimentos de tal nível hierárquico haverão de ser obtidos como um dom do céu, sem que para isso se requeira esforço algum? Não se pode conceber seja tendência natural a de consentir que o próprio entendimento conceda tão pouca importância a esse gênero de investigações. Geralmente se utiliza para elas o escasso tempo que resta depois de terminadas as atividades do dia e, ainda assim, costumam ser relegadas a segundo plano, para se dar preferência às habituais distrações. Há os que presumem que fazem um favor se, ao cultivar o conhecimento transcendente, colaboram com outros em tão fecundo labor, pois não pensam que, enquanto se aperfeiçoam e se beneficiam, contribuem para fazer mais efetiva a obra que se desenvolve para o bem de todos.

O exercício de tão elevada docência é uma arte em que estão resumidas as virtudes mais elevadas

Deve-se admitir, pois, que foi, é e seguirá sendo a tarefa mais difícil e delicada essa de ensinar a cada inteligência a forma de multiplicar sua força expansiva. O exercício de tão elevada docência é uma arte em que estão resumidas as virtudes mais elevadas:

  • A sabedoria, considerada como a maior de todas, por conter a essência de todas elas
  • A paciência, que auspicia os processos do ensinamento sem forçar nem alterar as funções do entendimento, propiciando que ele se acentue de forma natural
  • A abnegação, que preside os sentimentos e tem um lugar de honra no coração dos grandes, também fortalece o espírito e permite ajudar o semelhante.

Poderiam ainda ser enumeradas outras que servem à vontade posta a serviço de tão elevada docência; entretanto, haverão de bastar as enunciadas, para que se possa julgar o conceito que deve merecer quem, tirando horas do repouso depois de longas jornadas de intenso labor, dedica-as generosamente, sem exigir nada de ninguém, a ensinar com a palavra e com o exemplo a realização da mais justa e nobre das aspirações humanas.

A arte de ensinar encontra sua máxima expressão na alma daqueles cuja vontade de aprender faz possível que o bem que recebem e o saber com que se instruem sejam uma completa e efetiva realidade para seu aperfeiçoamento integral.

Extraído da Coletânea da Revista Logosofia – Tomo 2, p.163

Coletânea da Revista Logosofia – Tomo II

Coletânea da Revista Logosofia – Tomo II

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Carlos Bernardo González Pecotche, também conhecido pelo pseudônimo Raumsol, foi um pensador e humanista argentino, criador da Fundação Logosófica e da Logosofia, ciência por ela difundida. Nasceu em Buenos Aires, em 11 de agosto de 1901 e faleceu em 4 de abril de 1963. Autor de uma vasta bibliografia, pronunciou também inúmeras conferências e aulas. Demonstra sua técnica pedagógica excepcional por meio do método original da Logosofia, que ensina a desvendar os grandes enigmas da vida humana e universal. O legado de sua obra abre o caminho para uma nova cultura e o advento de uma nova civilização que ele denominou “civilização do espírito”.