Você sabia que o ser humano é tão cheio de recursos que, além dos olhos físicos, nós temos os olhos do entendimento? 

À semelhança das lentes físicas, existem lentes, as quais me vou referir, que são relacionadas aos olhos do entendimento. 

Isso faz pensar: com que lentes eu olho para minha vida, para a vida dos demais e para o mundo? 

Recordo-me de que, quando criança, uma das sensações que eu experimentava era a de me sentir feliz quando olhava para as pessoas ao meu redor que viviam momentos de felicidade. 

A infância é um dos períodos mais importantes da vida humana, do qual deveríamos recordar para aprender com essa criança que fomos, observando a forma como ela olhava para a vida e para o mundo. 

Se eu prestar atenção a algum dia determinado da minha vida, vou deparar com situações, circunstâncias e fatos que geralmente deixo passar, sem dar a eles maior importância. 

Se uma situação é adversa, ela me causará incômodo e aí, sim, tendo a observá-la  mais a fundo, já que ela me perturba. Parece que sigo assim, vivendo a vida, resolvendo as coisas que mais me incomodam com os pensamentos que já tenho, e que as outras coisas eu deixo para depois. Nesse movimento constato, no final da jornada, que mais um dia se foi. 

Estava conversando com uma amiga que também tinha essa pergunta que a inquietava: “Por que vamos perdendo a capacidade de olhar para a vida e para o mundo à medida que crescemos?” 

Um dos fatores que contribuem para isso é deixar de olhar para dentro e passar a observar apenas aquilo que está fora de nós mesmos. Ao olhar só para fora, percebo que vou criando um vazio dentro de mim. Nesse vazio, alguns tipos de pensamentos vão tomando conta da mente: “Porque isso não é da minha conta”, “Porque não tenho tempo”, “Eu me preocupar com o mundo? Tenho de me preocupar é com a minha vida”. 

A influência desses pensamentos na mente, à medida que vamos crescendo, parece deixar distante o interesse e a forma de olhar para a vida que tínhamos antes na infância. Vamos tornando-nos seres mais frios e indiferentes. 

Ao olhar apenas para as circunstâncias, e nelas, para os próprios interesses, vão sendo alimentados pensamentos de egoísmo, soberba, indiferença, de se julgar acima dos demais, e tantos outros. Muitas vezes, também, pensamentos de temor e de inadequação. 

Pensando nisso, refleti que ser adulto de verdade, amparado por conhecimentos do mundo interno, deveria permitir-nos sermos seres que veem a vida e o mundo como o principal dos trabalhos ao qual nos deveríamos empenhar para experimentar esse precioso tempo de vida! 

Voltando às lentes da infância, recordei que, quando criança, eu gostava muito de ser útil. Era esse o olhar daquela criança: olhar com as lentes do pensamento de ser útil. 

Meu pai gostava muito de pescar e todo final de semana ele descia para o litoral e ficava horas nas pedras do Guarujá, sentado pacientemente a fim de pescar algum peixe. E toda semana minha mãe tinha de limpar o peixe. Eu queria tanto ser útil que o cheiro de peixe não me incomodava, porque eu queria colaborar! Então minha mãe me deixava tirar as escamas do peixe e, naquele momento, eu sentia-me muito feliz. 

Para agir conforme aquela lente da minha infância, sentia que precisava aprender coisas que eu desconhecia, e a vontade de ser útil era tão grande, tão grande, que nada era problema e o maior prêmio que recebia era sentir a felicidade! 

Entretanto, à medida que vamos crescendo, e sem conhecimentos para realizar a sucessiva troca de lentes do entendimento, algo parece que se vai perdendo. 

No meu caso, meus pais, com a melhor das intenções de demonstrar seu amor, mesmo sem dispor de tantos recursos, começaram a atender as minhas vontades. Nesse processo, ao colocar-me na posição de estar sendo servida, algo se alterou nas lentes com as quais eu havia começado a enxergar a vida. 

Por que será que isso ocorre? Em que momento deixamos de vibrar com o querer ser útil e passamos a julgar que devemos ser servidos pelos demais e que o mundo existe para nos servir? 

Com essa lente distorcida, com a pretensão de que os outros nos sirvam, acabamos por nos colocar em muitas situações difíceis. 

A sensação que surge nessa posição interna é de muita solidão. É como uma lente desfocada, bem diferente da lente pela qual via o mundo aquela criança que queria ser útil e experimentava a felicidade. 

Ao encontrar a Logosofia, fui atraída fortemente pelo conhecimento que se revelou ao meu entendimento: o de que as duas finalidades da existência humana são

evoluir para a perfeição e constituir-se em um verdadeiro servidor da humanidade”.  

Quando eu li esse trecho, algo se uniu no meu mundo interno – a visão da criança agora ampliada pelas lentes de novos conhecimentos – e a perspectiva que foi se abrindo de que estou aqui nesta vida para cumprir essas duas grandes finalidades que dão sentido à minha existência! 

A sensação que experimentei foi a de que estava despertando a criança adormecida que ainda estava dentro de mim, aquela que enxergava a vida e se sentia feliz sendo útil. Foi um dos momentos mais importantes da minha vida — poder comprovar que a lente por meio da qual a criança que enxergava a vida e o mundo era cristalina e permitia ver coisas verdadeiras! 

Com as novas lentes que os conhecimentos logosóficos me têm trazido, tenho podido, aos poucos, realizar a reconstrução das lentes do entendimento no exercício desses dois pensamentos e empenhar-me na minha superação para poder servir, com outras projeções.

Por meio desses recursos tenho podido expandir a compreensão do próprio significado da minha existência, passando a olhar a vida como um grande campo experimental no qual posso ir sucessivamente trocando de lentes, no processo gradual de aproximação a uma realidade que se vai mostrando cada vez mais rica e vibrante.