A palavra “mística” nos soa familiar, e, em uma de suas facetas mais comuns, está associada a uma espécie de névoa que envolve certas vidas e comportamentos humanos, e mesmo alguns locais, conferindo-lhes uma aura de transcendência – real ou imaginária – diante de nós.

Mas, mudando o foco da observação para dentro de nós, como ocorre ali essa manifestação? O que seria a verdadeira mística, calcada na realidade, e o que fazer dela quando sentimos sua manifestação em nós?

No meu contato com a Logosofia, fui entender que a mística seria uma atitude sensível da alma humana, manifesta na emoção que ocorre, por exemplo, ao contemplarmos um belo cenário da Natureza ou termos contato com gestos e comportamentos que revelam grandeza no pensar e sentir.

Penso que você, leitor, já sentiu isto, não? E é importante notar que tais emoções, naturais e espontâneas, nada tem a ver com o misticismo religioso ou político, produto da imaginação e tão manipulado por impostores de todos os tipos e de todas as épocas.

Resgato, a seguir, por meio desse recurso precioso que é a recordação — algo vivido que tem relação íntima com o tema que nos ocupa — e a sua análise mais profunda.

Nasci em uma família de classe média, de padrão de vida simples, mas de muito bom nível educacional, e tive a felicidade de crescer sentindo-me querido, vendo e apreciando, nos meus pais e avós, exemplos de esforço e honradez pessoal na condução de suas vidas.

Quando ainda um pré-adolescente, ganhei de meus pais dois livros dos quais guardo uma forte e carinhosa lembrança. Um deles era o “História do Mundo para Crianças”, de Monteiro Lobato, e o outro, de Francisco Acquarone, intitulava-se “Os Grandes Benfeitores da Humanidade”.

Das páginas do primeiro, tenho ainda a nítida recordação de como Lobato, mesmo nos acontecimentos mais tristes da História, procurava ressaltar sempre o lado elevado da natureza humana, descrevendo com graça e força o belo, o heróico e o grande das muitas manifestações do ser humano no curso dos acontecimentos e das civilizações. Do outro livro, “Os Grandes Benfeitores da Humanidade”, recordo vivamente do entusiasmo que me despertavam aquelas vidas que, fosse ao longo de um trabalho abnegado de anos ou de um momento de inspiração genial, deixaram seus frutos para tornar melhor o homem e o mundo.

Como me recordo, com gratidão, do prazer que me proporcionaram aquelas horas de leitura, e das sementes que foram plantadas então na minha alma de criança! Hoje, identifico perfeitamente que aquelas sementes germinaram em manifestações internas e sensíveis de apreço e adesão aos exemplos de grandeza de alma, coragem moral, determinação e generosidade com que tomei contato — seja nos relatos da História, seja nos acontecimentos do dia a dia.

Percebi, então, que tudo isso que se passara — e ainda se passa — dentro de mim são manifestações de uma verdadeira mística, e que eu devia acalentá-las, dando-lhes consequência, como forças colaboradoras de um propósito de ser melhor. Não melhor do que os outros, mas melhor do que eu mesmo, realizando aquilo que a Logosofia propõe como sendo um processo de evolução consciente, ou seja, uma mudança gradual de estado, modalidade e caráter. Uma mudança no sentido de aperfeiçoamento, conduzida voluntariamente pela própria inteligência e vontade, em vez de sujeita ao acaso das circunstâncias da vida.

Afinal, no dizer de González Pecotche, o criador da Logosofia

[…] o homem não pode ser um simples ente vegetativo, obediente apenas às necessidades da vida material e aos impulsos primários do instinto, mas sim uma existência que se multiplica nas obras, nos afetos, nas palavras; uma existência que triunfa nas lutas contra o mal e avança conquistando o bem (*)

Agora, meu caro leitor, estendo este propósito a você. E lhe digo que, mesmo sem imaginar altas realizações fora da nossa capacidade ou alcance presentes, podemos ser agentes de bem na nossa esfera de atuação pessoal, através da nossa conduta e exemplo como familiar, como amigo, como profissional e como cidadão. Talvez, fazendo um esforço assim, possamos começar a mostrar à nossa própria consciência que não viemos ao mundo só a passeio, e preencher as páginas do livro de nossa vida com um conteúdo efetivo de bem.