Nos tempos de escola, nunca senti o risco de ser reprovado. Era raro vir uma nota baixa e, quando isso acontecia, eu sabia que um pouco mais de estudo já seria o suficiente, e o resto convergiria para que eu passasse de ano.
Já na faculdade foi diferente. Tirei um zero logo de cara. E, pior, não via perspectiva alguma das coisas se facilitarem.
Não fui o único que senti o baque. Da turma de 25 alunos, somente dois não tiraram nota baixa.
A insatisfação foi geral. Achamos um absurdo uma prova com tamanha dificuldade. Nós nos reunimos, cheios de razão, para falar com o professor e exigir que a prova fosse anulada. Eu tinha certeza de que teríamos êxito, tamanha era a mobilização que havíamos organizado.
Porém, para minha surpresa, o professor foi irredutível. Não cedeu, nem demonstrou o menor sinal de comoção. Ressaltou, inclusive, que as provas seguintes não seriam mais fáceis; pelo contrário, faria questão de que a dificuldade aumentasse.
Fiquei revoltado. Considerei o professor insensível e autoritário. Até então, toda mobilização coletiva que eu havia presenciado, tinha dado algum resultado. Mas ali não teve jeito. E só me restou a alternativa mais óbvia, da qual desde o início, sem perceber, eu me esquivava: estudar de verdade.
Não foi fácil. Acostumado com uma formação onde tudo era em prol do aluno, apesar de, até então, ser considerado um bom estudante, descobri que eu não sabia estudar.
Se o conteúdo por si só já era bem complicado de assimilar, as reações internas que continuavam surgindo contra o professor, frutos de uma incompreensão sobre o conceito de igualdade, geravam uma série de travas contra o esforço que eu havia de realizar.
Aprendi com a Logosofia que, no que tange às oportunidades e condições, na fase inicial a igualdade deve existir para todos; entretanto, o que se alcança depois deve ser pelo esforço de cada um, conforme ensinamento de González Pecotche:
A igualdade existiu, neste caso, durante um tempo, mas depois foi alterada por obra de cada um. Aí está a verdadeira igualdade; a sábia, a justa, a inquestionável; a que oferece a todos a mesma oportunidade.
Coletânea da Revista de Logosofia – Tomo II – Página 111.
À medida que fui avançando no estudo, as reações foram se dissipando, e o conteúdo foi sendo assimilado, embora até hoje não saiba como.
Deve ter sido a primeira vez que senti a libertadora sensação de colher o resultado do esforço individual. Melhor do que qualquer trote de faculdade, aquela verdadeira prova fez com que eu me tornasse um aluno melhor. Descobri uma capacidade de aprender e estudar que eu ignorava. E constatei, com entusiasmo, que ela podia ser ampliada.
Hoje compreendo também, como experimento em situações análogas, que a experiência teria sido de maior proveito e menos dolorosa se, ao invés de ter resistido à dificuldade e buscado amparo na média − a qual eu e os
alunos representávamos −, houvesse me inspirado no professor, o “outlier”, que afinal estava ali porque sabia mais.
A igualdade deve constituir o supremo anelo da alma humana, a suprema aspiração; mas, para que isso tenha toda a força necessária, a fim de encarnar um grande ideal, deve-se entender que esta igualdade terá de ser obtida quase que exclusivamente por esforço próprio e representar o objetivo essencial, qual seja se igualar àquele que é mais no sentido amplo da palavra.
Coletânea da Revista de Logosofia, Tomo II, página 112/4 – grifos do autor.