“Desde que foi possível recopilar os pensamentos e ideias dos homens, primeiro em pedra, depois em papiros, e mais tarde por intermédio da imprensa, teve-se a impressão de que grande parte dos seres humanos poderia, por esse meio, receber uma instrução e uma ilustração que, de outra maneira, ficariam relegadas apenas a um reduzido número: àquele que tivesse o privilégio de receber, por via oral, o conhecimento que haveriam de lhe transmitir os que estivessem de posse dele.

A difusão do livro, realizada de um extremo a outro do mundo, foi, é e seguirá sendo o recurso mais eficaz para que os povos se conheçam entre si, estudem seus costumes, seus avanços, suas características típicas, etc., como também para que todos, sem exceção, possam compartilhar os benefícios que cada descobrimento científico proporciona e também as grandes conquistas na evolução do pensamento, naqueles pontos em que a civilização acentua seus progressos em consecutivos avanços na conquista do bem e da felicidade.

Na atualidade, em todas as nações do mundo existem bibliotecas enormes, consideradas orgulho da cultura e expressão das altas inquietudes que movem o espírito da nacionalidade na busca do aperfeiçoamento em todos os sentidos, visando ao engrandecimento dos respectivos países. Entretanto, convém ressaltar que, entre os milhões de livros que circulam, nem todos – talvez venha ao caso dizê-lo – contêm ideias construtivas ou de alta finalidade moral, intelectual ou social.

Naturalmente, para uma inteligência preparada, o fato de haver livros que carecem de utilidade ou valor prático tem pouca ou nenhuma importância, pois está em condições de escolher os melhores; o mau, e até pernicioso, acontece com aqueles que, sem preparação alguma, sem um juízo amadurecido no estudo, sem disciplina intelectual, escolhem ao acaso quaisquer livros, sejam eles bons ou ruins, dando muitas vezes a estes últimos uma marcante preferência.

Daí a necessidade, tão profundamente experimentada nos países civilizados, de fomentar o estudo e ensinar até mesmo às classes mais humildes a pensar. Trata-se de uma preocupação que sempre existiu, por ser bem sabido quão indefesas são as pessoas que não pensam, e como é fácil levá-las de um extremo a outro, por ser particularidade delas seguir cegamente aqueles que, tendo maior capacidade, as conduzem para cá ou para lá, segundo suas conveniências, seus interesses ou suas tendências do momento.

Permitimo-nos abrir um parêntese e dizer que não se deve esquecer que, entre os homens, há os que pensam bem e os que pensam mal. Entre os primeiros, podemos distinguir ainda, e sem esforço, os que pensam bem acertadamente e os que pensam bem equivocadamente. Tal discriminação permite ver que estes últimos, de curtos alcances na maioria dos casos, pensam sem nenhuma intenção contrária ao bem, mas chegam à paradoxal situação de estar servindo inconscientemente ao mal; noutras palavras: na crença de que pensam bem, estão às ordens do mal, sem que disso se deem conta.

Os que pensam bem acertadamente não limitam seu pensamento ao simples fato de pensar, mas o completam, estendendo os alcances de seu pensar ao cumprimento de altos objetivos de bem e colocando a serviço dele seus melhores empenhos, sua vontade, suas energias, e nisso muitas vezes chegam até o sacrifício. Estes seres são os que jamais fecham seu entendimento ao exame dos fatos, das circunstâncias, dos pensamentos e das palavras, sobretudo daquelas que, vertidas por outros, se relacionam em sua causa e são, não obstante, alheias à sua concepção.

Diante de uma iniciativa pessoal, o pensamento de crítica ou de aplauso dos demais lhes serve para corrigir detalhes, omissões e imperfeições, trabalho que possivelmente teria sido difícil de realizar sem o concurso dessas inteligências. Daí que quem pensa com acerto sinta especial gratidão aos que lhe permitem, com a crítica ou o aplauso, aperfeiçoar suas ideias ou projetos, sempre que não lesionem, logicamente, sequer numa mínima parte, a integridade do pensamento exposto.

Caberia destacar que, ao contrário disso, os que pensam bem equivocadamente desdenham e rechaçam, para não se darem ao incômodo ou ao trabalho de modificar seus próprios pensamentos, todo juízo adverso, ou, quando muito, permanecem indiferentes a qualquer outro pensamento que contrarie essa forma de pensar adotada, que eles consideram, em sua crença, como a melhor, afirmando-se ainda mais nela ao escutar opiniões concordantes ou aprobatórias.

Se o que expusemos fosse comparado à direção de um automóvel, poderíamos encontrar imagens ilustrativas, como seria, por exemplo, a que surge quando quem dirige, diante dos insistentes avisos que lhe denunciam imperfeições nos pneus ou em qualquer outra parte do veículo, detém a marcha para repará-las, e ainda toma algumas precauções para evitar outras.

Eis então a modéstia do pensamento, ao admitir que pode haver um erro ou uma imperfeição suscetível de ser corrigida. Não ocorre isto com aquele que pensa bem equivocadamente, pois sempre supõe que são os outros os equivocados, só se convencendo de seu erro quando os pneus estouram ou se produz no carro outra pane qualquer, coisas que poderiam ter sido evitadas, bastando atender às opiniões ou avisos dados durante o trajeto.

Voltando ao tema que intencionalmente deixamos por uns instantes para fazer algumas considerações que estimamos necessárias, vamos nos referir à importância do livro como elemento de inestimável valor para o assessoramento da inteligência, o fundamento da cultura e a ilustração dos povos.

Uma coisa é o livro em si, e outra, sua leitura. No livro, o autor expõe seu pensamento, seja este da índole que for, com o propósito de fazer os demais participarem de seu conhecimento, de suas experiências ou de suas satisfações, ao entrelaçar numa fina trama o que crê interessante dar a conhecer. Assim, pois, as obras científicas, filosóficas, como todos os textos de estudo, servem para auxiliar o entendimento dos que abraçam uma carreira ou uma profissão, e as literárias, em seus variadíssimos matizes, tendem por sua vez a regozijar o espírito no mundo das ideações, das belezas naturais e panorâmicas, ou no da fantasia.

É indubitável que quem escreve um livro experimenta uma série de sensações que estimulam fortemente sua vontade e seu entusiasmo; mas nem tudo o que sua observação percebe acerca do mundo, da Natureza, dos homens ou das coisas, e nem tudo o que aparece manifestando-se no espaço de sua concepção mental, no instante da criação, é consigna do correr da pena.

Pode-se muito bem afirmar que isso sempre ocorreu e continuará ocorrendo, quer dizer, o que o autor escreve é só uma parte daquilo que ele pensou escrever, não obstante ter a sensação de que nada escapa à sua recordação no momento de materializar seu pensamento no papel. A ideia em si, surgindo luminosa na concepção mental, não é a mesma coisa que a fotografia que a inteligência tira dela para ser descrita depois em caracteres frios, procurando fazer com que conserve fielmente a forma e o fundo do que fora concebido. Indubitavelmente, a diferença é notável, apesar do afã que se põe na referida descrição da ideia.” (Trecho retirado do livro: Coletânea da Revista Logosofia | Tomo1).