Fui uma criança privilegiada. Na escola pública onde estudei, na década de 70, existia uma preocupação grande em estimular o gosto pela leitura. Os livros da Coleção Vaga-Lume e os emblemáticos exemplares de bolso de capa branca das Edições de Ouro, sem falar no Sítio de Monteiro Lobato, preencheram horas felizes dos meus dias de menino. Obras que ampliaram meus horizontes — do espaço sideral ao fundo do mar —, passando pelas traquinagens que vivi junto de crianças imaginárias, na cidade grande e no interior. O gosto pela leitura ficou tão marcado em minha alma que virei escritor.

O tempo passou e, quase quarenta anos depois, vejo-me completamente perdido em meio às prateleiras de uma grande livraria de Belo Horizonte, procurando avidamente livros infantis para meus filhos. Opções infinitas, de todas as cores e formatos, mas quase impossível encontrar um conteúdo do tipo que eu gostava e que me fazia feliz. O que aconteceu, eu me pergunto, com a literatura infantil, enquanto “eu estava crescendo”?

Com o tempo fui peneirando, aqui e ali, honrosas exceções em um mercado abarrotado de obras de excessiva imaginação, muito distantes do tipo de texto que encontrava ressonância no meu espírito infantil. Era como se os atuais autores se propusessem a escrever para crianças, mas tivessem esquecido de como é ser criança.

Estudo Logosofia há algum tempo com vários amigos, a maioria pais de crianças pequenas. Diante da observação de que não estava tão fácil encontrar bons livros para as crianças, esse grupo se propôs escrever histórias para os próprios filhos. A maior parte do grupo jamais havia escrito nada em termos de literatura, mas a proposta foi feita de forma atraente: que cada um recordasse algo marcante que viveu com os filhos, ou com irmãos ou primos na infância. A partir dessa recordação, um pequeno texto poderia ser escrito. Eu e um amigo, o mais experiente do grupo, nos encarregaríamos de dar uma roupagem literária aos relatos.

Foi assim que nasceu a coleção “Nossa Turma”, que publicamos e cuja renda revertemos totalmente para a construção da unidade Vila da Serra do Colégio Logosófico Gonzalez Pecotche, em Nova Lima.

São 11 livros, de 11 autores, com poucas páginas e ilustrações coloridas. Destinados a crianças de três a dez anos, tratam de temas como: a luta contra o medo; a generosidade na família; o que nos difere dos animais e como aproveitar isso para o bem; o respeito às diferenças; a importância de dar valor ao que se tem; como o esforço gera recompensas felizes… Ao mesmo tempo, as histórias se passam em situações alegres e familiares às crianças: na casa dos avós; em um passeio no parque; em férias; na praia; etc.

É notável como o espírito infantil se sente atraído por aquilo que, de alguma forma, contribuirá para sua formação. Quando meus filhos (um menino e uma menina) simulam uma pequena família com bonecas e bonecos que no faz de conta frequentam escola, fazem lanches, portam-se mal e são repreendidos pelos “pequenos pais”, nada mais estão fazendo do que exercitar, internamente, situações que vão efetivamente viver quando maiores.

Esse “laboratório” de familiarização, que vejo causar tanta satisfação em seus pequenos corações, pode – e deve – ser ampliado exponencialmente pela literatura infantil, que abre janelinhas por onde a criança observa, reflete e aprende, de maneira lúdica, sobre o universo enorme que a circunda e interpenetra. Colaborar com essa formação é ajudar a criar, ainda que a médio ou longo prazo, um mundo melhor.