Ao longo de minha longa vida observei que, muitas vezes, a simples canetada de uma autoridade nos traz grandes transtornos e sofrimento.

Lembro-me que era jovem, bem jovem, iniciando minhas atividades profissionais, com uma rotina estabelecida bastante confortável, uma simples canetada do Presidente da República fez com que minha vida se alterasse em 24 horas. Havia sido mudado o horário de minha jornada de trabalho.

Para mim, na minha inexperiência de jovem, aquela mudança transformou-se em um grande problema. Não queria aceitá-la. Minha rotina passou a ser acompanhada de grande sofrimento. Tudo era motivo de queixa. O ambiente de trabalho tornou-se pesado, pois todos estavam insatisfeitos. Enfim, o trabalho passou a ser um fardo.

Por uma feliz coincidência, em uma reunião na Fundação Logosófica, tomei contato com o seguinte ensinamento:

O homem, por sua constituição psíquica, mental, espiritual e física, é um ser adaptável a todas as mudanças e a todas as situações em que a vida o coloca, à medida que avança para seu aperfeiçoamento.

As compreensões surgidas sobre esse pequeno trecho me impactaram. A carapuça entrou, como se diz vulgarmente. Se o homem é adaptável a todas as situações, por que estava sofrendo tanto com uma situação nova que a vida me apresentava?

De onde vem a capacidade de se adaptar?

Estudamos durante algumas reuniões sobre o poder de adaptação. Do estudo individual e coletivo foram surgindo elementos que favoreceram minha mudança de posição. Um deles foi A vida não deve ser colocada dentro dos problemas, mas os problemas dentro da vida.”

Concluí que estava fazendo tempestade num copo d´água. Passei a refletir sobre minhas atuações e a modificá-las. Dentro de pouco tempo o problema desapareceu. Foi simples, bastou um pequeno esforço para me adaptar aquela nova situação. Não foi uma mera adaptação. Havia sido fruto de estudo e prática dos ensinamentos logosóficos. A mudança foi consciente.

A vida continuou. Dez anos se passaram e, de repente, quando menos esperava, uma nova canetada. Desta vez de um Ministro de Estado, me transferindo para outro local de trabalho. Na época, trabalhava em dois lugares, ambos no mesmo bairro, o que favorecia muito meu deslocamento. O novo ficava em outra zona da cidade, bem distante e de difícil acesso.

Mas, desta vez, apesar da nova experiência exigir mudanças muito maiores, já havia aprendido que o ser humano é adaptável a todas as situações. É lógico que não fiquei feliz com a mudança, mas o sofrimento foi bem menor. Os conhecimentos adquiridos com a primeira experiência vieram em minha ajuda.

Um dos elementos que utilizei para favorecer o processo de adaptação foi o de identificar o que esse novo local de trabalho me oferecia de bom. Percebi que apesar do aumento das distâncias a percorrer, das dificuldades de transporte e dos problemas advindos de minha transferência, em minha segunda atividade profissional, o novo local me oferecia muitos pontos positivos.

Aos poucos, sem sofrimento, todas as dificuldades foram sendo superadas. Pude comprovar uma vez mais que o ser humano é adaptável a todas as situações à medida que avança em seu aperfeiçoamento. Hoje, sou grata a quem deu a canetada pelas oportunidades que ela me ofereceu. Foram muito felizes e produtivos os anos que lá passei.

E agora, passados muitos anos, já desfrutando da aposentadoria, veio a terceira canetada. Desta vez do diretor da Organização Mundial de Saúde, considerando a covid19 como uma pandemia. De repente, fui classificada entre aquelas pessoas com alto risco de ser contaminada pelo vírus. A ordem era: fique em casa. Logo eu, sempre tão ativa, independente, indo a banco, mercado, farmácia, academia de ginástica etc. E agora? Teria que ficar em casa e dependendo de terceiros.

Que me veio de imediato à mente? “O homem, por sua constituição psíquica, mental, espiritual e física, é um ser adaptável a todas as mudanças e a todas as situações em que a vida o coloca, à medida que avança para seu aperfeiçoamento.”

Lembrei-me de minha mãe que frente às minhas rebeldias infantis repetia sempre o axioma logosófico “Seja dócil a tudo que lhe indicam para o seu bem”.

Veio-me, também, o aprendido sobre a obediência e em especial algo muito apropriado para o momento “O acatamento inteligente do indivíduo a normas, regras, deveres e leis contribui para estabilizar a harmonia na convivência humana. Uma razão equilibrada – salvo nos casos de involuntário descuido – jamais cometerá a torpeza de desobedecer à ordem social e jurídica, e quem cientemente o fizesse se declararia menos sagaz que o rato, cujo instinto o freia no momento em que é tentado pelo queijo da ratoeira, se seu olfato lhe denuncia que outros de sua espécie deixaram ali o vestígio de seu sangue.”

Fiquei feliz em ver que havia aprendido com as experiências anteriores e que o conhecimento adquirido havia sido gravado em minha consciência.

Apesar de saber da gravidade da experiência para a humanidade e de seus sérios desdobramentos, meus dias têm sido tranquilos, sem sofrimento, sem queixa, sem temor do futuro porque aprendi que o ser humano foi dotado do poder de adaptação. A adaptação é uma lei universal e cabe a cada um se colocar ao seu amparo, obedecendo a seus princípios.

“O essencial é afirmar na consciência a convicção plena de que os problemas, as preocupações e as horas amargas da vida, por longas que pareçam, haverão de passar, enquanto o ser sobreviverá a toda eventualidade. Eis, pois, a melhor forma de fortalecer o espírito diante da adversidade, por mais obstinada que a sua crueldade se manifeste, e eis também uma conclusão feliz a que sem dificuldade se pode chegar. Tudo passará, mas a vida do homem ficará e se irá estendendo até o fim de seus dias. Por que, então, pretender que tudo se acabe com um fracasso ou um revés, por mais fortes que estes sejam? Os fracassos são feridas que é necessário curar, para que o ânimo não se infecte e ponha a vida em perigo. Curada a ferida, ficará a cicatriz, mas esta não afetará em nada a existência.”

Enquanto registrava esses fatos, surgiu em meu interno uma enorme gratidão por Gonzalez Pecotche, criador da Logosofia, cujos conhecimentos me permitiram operar mudanças em minha vida, tornando-me um ser humano mais consciente e como consequência melhor e mais feliz.