Certa vez, um mestre perguntou:
O que resta por fazer às gerações de hoje? Já não há terras a descobrir; os gritos da ciência emudecem diante de realidades que não sabem compreender; o conforto enfastia, pois se desfruta em excesso; as diversões entorpecem o espírito pelo abuso que se faz delas. O que resta, então, às gerações de hoje para que, como as anteriores, respondam aos desafios dignos de sua época?
Isso foi há quase cem anos. A resposta que conseguiu alcançar, o homem foi dando com a sua conduta. Se esses cem anos tivessem sido um diálogo, teria sido mais ou menos assim:
Homem: Mestre, permita-me contrariá-lo, mas ainda há muitas terras a descobrir. Daqui a pouco chegaremos à Lua. Quem sabe que riquezas iremos encontrar por lá? E depois iremos à Marte. E isso será só o início da nossa exploração espacial.
Quanto à ciência, além dessa tecnologia que vamos criar para viajar pelo espaço, teremos muito a descobrir no campo microscópico e nuclear. Criaremos bombas que nos manterão protegidos de qualquer ataque. Elevaremos a comunicação a níveis tão altos que conseguiremos nos ver e nos falar de qualquer lugar. O senhor, por exemplo, nem precisaria estar aqui para falar conosco se esse tempo tivesse chegado. Depois, ainda desenvolveremos a inteligência artificial, que nos dará todas as respostas, e ela mesma desenvolverá ainda mais a ciência e criará novas tecnologias que haveremos de usar.
“Mestre”: Sendo assim, serão indestrutíveis, estarão em qualquer lugar e saberão todas as respostas. Viverão, então, sem medo? Se entenderão uns com os outros, realizando, enfim, uma grande irmandade? Terão capacidade de compreender os mistérios da natureza humana? Saberão sua origem e o propósito de sua existência? Terão descoberto o segredo da imortalidade? Serão conscientes do que fazem e, finalmente, viverão felizes?
Homem: Isso aí já é para as gerações que virão depois da nossa, Mestre. Nós deixaremos para elas tudo de que vão precisar. Graças a nós, terão tudo isso com muita facilidade.
“Mestre”: Então, a sua geração será marcada como aquela que fez grandes sacrifícios pela humanidade. Mas por que vocês mesmos não utilizam todo esse arcabouço que irão criar para benefício próprio?
Homem: Não conseguiremos. Estaremos sempre muito distraídos, confusos e ocupados. Não saberemos ao certo o que é mentira e o que é verdade. Uma hora teremos certeza de ter encontrado o melhor caminho; depois, acreditarmos que o caminho era exatamente o oposto. E, só mais tarde, vamos descobrir que não era nem um nem outro, mas os dois ao mesmo tempo. Só que esses caminhos terão sido tão alterados e se desdobrado em tantos outros que chegará um momento em que estaremos brigando entre nós, sem saber, afinal, o que estamos defendendo – e por que estamos brigando.
“Mestre”: Então não terão cumprido nada. Se seguirem por esse caminho, se continuarem olhando apenas para fora, ocupando-se somente do material e ignorando que tudo o que já lhes foi dado é suficiente para que cumpram suas grandes prerrogativas, jamais conseguirão viver para aquilo que realmente devem. Chegarão ao ponto de conhecerem todas as sinapses cerebrais sem conhecerem o próprio sistema mental. Serão escravos do próprio entretenimento que terão criado. Trocarão a alegria sã pelo vício das diversões, obstruindo ainda mais os canais da sensibilidade. Tal como os primeiros povos, viverão como nômades – não mais no sentido geográfico, mas no mar das correntes mentais. Serão veículos de pensamentos e ideias, em vez de fazer deles os veículos do próprio pensar e sentir.
E, finalmente, tirando as aspas do “mestre” fictício criado para este artigo, coloco-as nas palavras do verdadeiro Mestre que fez a pergunta, González Pecotche, trazendo agora a sua resposta: