Quando comecei meus estudos na Fundação Logosófica, recebi um convite do diretor do grupo do qual fazia parte para assistir a uma apresentação do Setor Infantil, que ocorreria no final da manhã do sábado seguinte. Com o propósito de conhecer mais sobre o campo experimental logosófico que se abria para mim, aceitei de pronto o convite. Ainda jovem e solteiro, não tinha qualquer experiência docente relacionada à infância.
No dia da atividade, lá estava eu, curioso e atento. Iniciada a apresentação, não via diferença entre aquela atividade e outras apresentações infantis, comuns nas escolas e colégios que frequentei.
Num determinado momento, quando várias crianças se apresentavam em um jogral e recitavam suas falas, uma delas não conseguiu cumprir a sua parte, ficando imóvel no centro do palco. Percebia-se facilmente que estava inibida diante do auditório. Como se tratava de uma sequência de falas e apresentações, uma docente foi até o centro do palco e, tomando-a pela mão, retirou a criança de cena.
A peça seguiu até o fim. Após os aplausos, quando a plateia se preparava para sair do auditório, surgiu a docente, pedindo aos presentes que esperassem um pouco, pois uma criança queria se apresentar. Então entrou no palco o mesmo menino que tinha sido vítima da inibição que o impedira de apresentar sua fala. Sem acompanhamento musical e sem a presença das demais crianças, cumpriu a sua parte, recebendo aplausos e a afetuosa aprovação da docente.
Ao sair do auditório, fiquei sem entender o motivo pelo qual a docente levara a criança a se apresentar tão fora do contexto da peça. Parecia apenas um caso de timidez, algo muito comum entre as crianças.
Vez por outra, esse episódio voltava à minha mente, e eu continuava sem encontrar razão para aquela iniciativa da docente. Alguns anos depois, durante uma conversa informal com outros estudantes de Logosofia, jovens como eu, surgiu o tema da docência infantil, e me ocorreu a ideia de relatar o episódio daquela peça.
Iniciei o relato descrevendo a cena e a dificuldade vivida pela criança e, quando cheguei ao momento de relatar a ação da docente, ao levar a criança ao centro do palco no final da peça, quase não consegui prosseguir, pois senti uma emoção especial que embargou minha voz. Tão surpreso quanto aqueles que me ouviam e aguardavam o desenlace da história, procurei concluir meu relato da melhor forma que pude.
Ao analisar o que se produziu em mim, perguntei-me por que, na época da peça infantil, não consegui compreender a ação da docente e por que dei tão pouca importância à sua atuação. Também me questionei por que, agora, o fato tocou minha sensibilidade de forma tão diferente de antes, quando eu o observava com indiferença.
O resultado da análise me mostrou como os conhecimentos que fui obtendo moveram minha mente de outra maneira e colocaram em funcionamento a sensibilidade, que antes pouco atuava. Isso provocou mudanças internas, alterando minha percepção, meu entendimento e minha consciência sobre o valor da atuação da docente.
Minha mente podia compreender, agora, que o fracasso da criança em sua participação na peça, mesmo que parecesse insignificante para os que assistiam à apresentação, poderia ter repercussões negativas em sua vida. O insucesso poderia tornar-se um grande obstáculo, presente não apenas na infância, mas ao longo da vida, quando ela se deparasse com desafios semelhantes.
A ação da docente não parecia mais fora do contexto, mas apoiada no propósito altruísta de, ao conduzir a criança, transformar um fracasso em êxito e afastar da mente e do coração daquele menino a sensação de derrota, substituindo-a pela certeza de que ele havia cumprido sua parte, assim como as demais crianças.
Como medir o valor daquela ação tão oportuna para o futuro daquela criança?
