Tenho encontrado em meu trabalho atual uma grande oportunidade de pensar sobre a vida, a morte, o destino, o futuro e outros tantos conceitos que sempre me inquietaram.
Estou quase me formando como enfermeira e faço atualmente estágio na Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica. Observo em mim uma afinidade ao atender crianças e suas famílias e queria conhecer como se dá o trabalho do enfermeiro na terapia intensiva — ambiente de cuidados específicos e críticos.
E lá fui eu. Apesar de ter observado internamente um pensamento que me queria atemorizar e desorganizar, procurei desde o início organizar-me para estudar mais e, assim, ir ganhando mais confiança para executar o trabalho.
O aspecto técnico foi evoluindo, mas muitas vezes eu voltava para casa esgotada. Aquelas famílias, que muitas vezes vêm de longe, trazem histórias de lutas intensas. Alguns conseguem buscar em Deus a confiança no futuro, o entendimento de que devemos viver um dia de cada vez. Já outros, nem tanto.
Em um ambiente no qual a morte física é iminente, como não nos impactar?
Como não nos atentarmos para nossos sentimentos, principalmente estando em um ambiente com crianças ainda mais sensibilizadas pela dor e pela doença?
E muito me perguntei: como posso levar o bem a essas pessoas? Será que este realmente é o meu lugar? Houve dias em que me emocionei; outros, em que preferi silenciar e registrar o que vivia, procurando as palavras, buscando compreender o que era tudo aquilo.
Uma das crianças que mais me encantava era uma menina com seus 10 meses de vida. Diariamente os pais revezavam-se, ficando próximos a ela que, intubada, mesmo acordada, não interagia muito. Quantas vezes os demais profissionais pensaram que ela estivesse indo embora, metaforicamente falando. Mas como essa pequena garotinha ensinou-nos sobre a força que é a vida, sobre como tudo dentro de nós quer viver!
E eu voltava para casa pensando primeiramente na luta desses pais, na dedicação deles, nas idas diárias ao hospital, nas notícias dadas pelos profissionais, na melhora e piora da filha, ainda tão pequena e sofrendo com uma doença rara! Muitos se poderiam questionar: por que ela? Seria isso um castigo? Em que mundo seria normal um filho falecer antes dos pais?
Mas, nesse pai e nessa mãe, eu via tanto a valentia de lutar pela vida quanto a compreensão de que, com maior lapso de tempo, maior ainda seria o sofrimento dela.
González Pecotche, autor da Logosofia, nos ensina que:
o homem necessita de muito valor para viver e, muito, também, para morrer. Em realidade, tudo na vida tem que ser feito com valor; valor sereno, firme. (do Livro Bases Para Sua Conduta, p. 38)
Tenho aprendido que as lutas fazem parte da vida e tenho procurado aplicar isso. Cada uma dessas famílias vive uma realidade diferente e lida com essas lutas de maneira distinta. Uma parte da minha própria luta é entender que meu lugar como profissional vai depender da escolha que eu fizer da vida que quero ter.
Em um ambiente como esse que estou descrevendo, eu poderia optar por ser indiferente, para não me vincular; poderia sofrer junto a essas famílias e viver grandes pesares, desilusões profissionais, e até desistir; ou, eu posso cultivar valores dentro de mim para estar ao lado desses seres, valorizando suas lutas e oferecendo o que eu tenho de melhor para as suavizar.
E sim, isso é possível!
Quantas conversas tive com o pai daquela garotinha que mencionei, acompanhando o seu processo de estar com ela e de transcender o conceito de que a vida acaba com a morte. Quando ela faleceu pouco antes de seu aniversário de um ano, ele e a esposa, mesmo naquele momento de dor, apresentavam na fisionomia o semblante de que só fisicamente a filha tinha-se despedido. Compreenderam que ela havia vivido durante esse tempo para lhes ensinar algo de muito importante. E, com certeza, marcante para todos os que acompanharam e que permitiram suas sensibilidades de participarem.
É só com o estudo da Logosofia que tenho tido valentia para lidar com essas lutas com inteireza, com muito respeito e gratidão pela vida e pelos recursos internos que possuo. Se aquela pequena criança não pôde crescer e conhecer este mundo em que vivemos por mais tempo, que eu o conheça então, que eu valorize a vida, o dia, a noite, o Sol, a Lua, a chuva…e todas essas manifestações da Natureza, que também fazem parte de mim.
E é essa a vida que quero viver, unindo às atividades diárias essas reflexões que ampliam minha visão para o que é eterno na vida. Para mim, o que é eterno hoje são esses fragmentos da vida que podemos ir recolhendo das pessoas que vivem ao nosso redor. Os exemplos que elas nos dão, o que aprendemos, o que ensinamos, buscando nos aprimorar juntos. Refletir dessa forma tem tornado meu trabalho mais leve e trazido muita paz ao meu interno.