Dia sei lá quanto de pandemia: Tudo seguia igual, exceto por um fato. Chovia. Senti-me diferente, mas não entendia o porquê. Fiquei parado na frente da porta de vidro que dava para o quintal. Brotava dentro de mim uma sensação que inicialmente não conhecia: sentia-me estranhamente muito feliz pela chuva que suavemente acariciava as plantas do jardim.  

Por que tão nobre alegria germinava em meu mundo interno? 

Acontece que no período de isolamento social imposto pela pandemia, me propus a viver várias coisas. Enchi o meu dia de atividades para garantir que, ficando dentro de casa o dia inteiro, eu não acabasse abraçando o comodismo e a inércia. 

Dentre a correria do dia a dia, entre cursos e palestras online, chamadas de vídeo com os amigos e ligações para ensinar a vó a usar o tablet, entre a louça do almoço a ser lavada e a limpeza incansável das compras do mercado com álcool, decidi começar uma nova atividade: cuidar do jardim da minha casa.  

Plantei verduras na horta, fiz compostagem com as cascas de frutas, comecei a regar as flores todos os dias e até tentei fazer mudas! 

E no final de um dia cheio de, digamos assim, “home-atividades”, lembrei-me dos cultivos verdes do quintal da minha casa, aguardando pacientemente seu regador dar uma brecha da sua quase automática rotina.   

Dirigindo-me para o espaço verde, me deparei, surpreso, com alguém já fazendo meu trabalho: 

Chovia. 

Sentei-me e fiquei admirado com a delicadeza daquelas generosas gotas d’água nutrindo cada uma das plantas do jardim ao mesmo tempo que crescia dentro de mim uma singela felicidade. Uma alegria que, como a chuva, revigorava meu ser! 

Como homem, ainda estou aprendendo a conhecer e cultivar minha sensibilidade e, buscando entender o que sentia, recordei de que, para a Logosofia,

“Permanecer no presente, dominando ao mesmo tempo o passado e o futuro, é ter verdadeira consciência da vida, sabê-la viver e desfrutar (…)” .

Instigado por esse pensamento, comecei a recordar primeiro do passado mais próximo: de eu extraindo as sementes de uma fruta, preparando a terra, plantando-as, adubando a terra, regando todos os dias a nova mudinha.

Depois, voltei meus pensamentos às recordações do passado mais distante, de eu criança colaborando com meus pais no jardim. Lembro que esperava alegre a planta crescer, olhava-a todos os dias para ver se havia uma nova folha ou flor. E quando surgia um novo fruto, colhia-o da árvore e fazia um suco dele! Que alegria era para mim! Eu o bebia como um verdadeiro copo de felicidade.  

Em seguida, pensei no futuro, em como será legal ver a planta crescer, em como será animador ver suas flores colorirem meu dia, e, se a planta nascer e crescer forte, poderei inclusive fazer mudas a partir dela e presentear meus amigos e dividir com eles minha alegria. 

Fui unindo o passado e o futuro ao presente e entendi porque me comovi ao ver a chuva que afetuosamente condensava em meu coração a felicidade de cuidar de uma planta. Comprovei que unindo os tempos robusteço minha consciência. Poderia ter olhado para a chuva e pensado apenas que seria bom ela regar o jardim para mim porque aí me sobraria tempo para fazer mais uma das tantas atividades da minha rotina maquinal…

Entretanto, ajudado pelo ensinamento logosófico, pude brindar ao meu espírito – essa parte que transcende a natureza física do homem e o anima com a vida – uma pequena porção de bem, ou seja, um instante a mais de consciência. 

Ao juntar passado, presente e futuro, começo a me aproximar ao que é permanente, não é mesmo? Afinal, o que é o permanente senão esse tempo único, indivisível. É o tempo eterno, no qual vive meu espírito. E ao me aproximar dele poderei alcançar cada vez mais uma felicidade duradoura! 

E até agora só encontrei uma forma de viver esse tempo permanente: com a consciência. É ela que me permitiu, aquele dia, unir os tempos e sentir o palpitar da Criação vendo a chuva regando meu jardim.