Recentemente, durante uma viagem em família a Pirenópolis, vivi uma cena singela, mas de profundo significado. Localizada a 150 km de Brasília, no coração do estado de Goiás, a cidade é uma joia histórica, onde o charme dos casarões coloniais e das ruas de pedra é abraçado pela natureza exuberante do Cerrado.
Era nosso último dia, um momento especial que compartilhava com minha esposa, filhos e minha mãe, que no ano anterior ficara viúva. Após uma semana de trilhas e do afetuoso convívio familiar, estávamos na Cachoeira Lagoa Azul, na Fazenda Bonsucesso. Enquanto nos preparávamos para partir, um dos meus filhos gêmeos mergulhou em seu poço profundo e retornou com uma pequena pedra na mão. “Pai”, disse ele, com um sorriso estampado no rosto, “vou deixá-la na minha mesa de estudos para sempre me lembrar desta semana incrível. ”
Aquele gesto espontâneo – a necessidade sensível de materializar uma alegria para que ela não se perdesse no tempo – tocou-me profundamente. A iniciativa do meu garoto de 12 anos, ao querer manter vivos aqueles momentos tão gratos em família, fez ecoar em mim a lembrança do meu querido pai.
Meu pai, que se dedicou por mais de 50 anos ao estudo da Logosofia — ciência criada pelo pensador argentino Carlos Bernardo González Pecotche e que eu também tenho a oportunidade de estudar há algumas décadas – foi, para mim, um exemplo no cultivo da gratidão. Ainda que de forma reservada, ele nunca perdia a oportunidade de exaltar pessoas queridas, valorizar momentos importantes de sua vida, recordar lugares que o marcaram e reconhecer todo o bem que ele e sua família recebiam desde que se aproximou da Logosofia, ainda muito jovem. O reconhecimento e a gratidão de meu pai pelo bem recebido dessa ciência foram determinantes para que eu decidisse trilhar o mesmo caminho.
Mas, afinal, por que a gratidão é considerada um poder, como sugere o título deste artigo?
A resposta que a Logosofia tem me ajudado a descortinar é que a gratidão é uma força ativa da consciência, capaz de resguardar nossas alegrias e preservar os sentimentos e as amizades em relação a todos que nos fizeram bem. González Pecotche ensinou, em um de seus escritos, que a maioria das pessoas esquece com frequência os momentos em que experimenta a verdadeira felicidade. Ele afirma: “Se cada um buscasse dentro de si a recordação das horas felizes e de tudo que foi motivo de ventura, muito seguramente encontraria mais de uma razão para deleitar o espírito nessa revivência de imagens queridas.”
Nessas palavras reside o segredo do poder da gratidão: ela é a chave que nos permite reviver o bem e nutrir a vida presente com a força da felicidade passada. A gratidão transforma a vida e nos permite unir os tempos. A simples recordação pode trazer de volta os instantes em que se experimentou a verdadeira felicidade, funcionando como um escudo protetor diante dos momentos tristes e amargos que a vida possa apresentar.
A gratidão pelo meu querido pai, que partiu fisicamente ano passado, tem me permitido deixá-lo vivo em meu coração, acariciando intimamente a recordação de muitos momentos felizes. Certa vez, ele expressou que, após a partida do seu pai (meu avô), sentia-se até mais próximo dele do que quando estava fisicamente presente. Hoje entendo que essa proximidade se deve, sobretudo, ao poder da gratidão.
Por outro lado, quais são os males do esquecimento? O maior deles é a ingratidão. Para a Logosofia, o esquecimento não é algo trivial; é “uma espécie de morte daquilo que antes teve vida no cenário das recordações”. Quando esquecemos o bem recebido, como observa Pecotche, tornamo-nos ingratos e, com isso, fechamos as portas para futuras alegrias.
Tenho observado que a ingratidão gera um vazio difícil de preencher, uma ansiedade que nenhum recurso parece acalmar, pois nos desconecta das pequenas e grandes venturas que a vida já nos concedeu, bem como das pessoas que contribuíram para torná-la muito mais feliz.
Em certo período da minha vida, identifiquei em mim a tendência de olhar sempre para a frente, focando nos desafios e nas conquistas futuras, sem valorizar devidamente o caminho já percorrido nem os seres que foram importantes nessa trajetória. As vitórias, as mudanças internas, os aprimoramentos que realizei em minha psicologia e, principalmente, as pessoas e os momentos que iluminaram minha jornada muitas vezes ficavam para trás, empoeirados pelo ritmo incessante da vida e pela indiferença, gerando em mim um desconforto cujas causas eu não conseguia identificar.
No entanto, venho aprendendo com a Logosofia a fundir meu passado e meu futuro em um presente mais consciente, compreendendo que olhar para trás com gratidão não é viver de nostalgia, mas, sim enriquecer a existência, tornando-a mais feliz e plena. Como ensina Pecotche, “a felicidade é algo que a vida nos outorga por meio de pequenas porções de bem”. Uni-las por meio da recordação consciente é o que nos permite sentir a vida em toda a sua plenitude.
A pequena pedra da Lagoa Azul, guardada com carinho pelo meu filho tornou-se para mim muito mais do que uma simples lembrança: é um símbolo do poder da gratidão, prova de que podemos cultivar, dentro de nós, um tesouro de momentos gratos, que fortalecerá e iluminará nossa vida para sempre.