Repetidas vezes ouvi que as pessoas mudam seu comportamento no trânsito. De fato, parece que me torno outro Bernardo quando estou dirigindo pela cidade. Muitos dizem que isso ocorre porque nos sentimos protegidos pela carroceria do automóvel, que nos dá uma sensação de segurança e, principalmente, de superioridade.

Preciso utilizar o carro todos os dias para me deslocar e, ultimamente, comecei a observar algumas atitudes que estava tendo nesses momentos. Meu estado interno se transformava, ficava estressado com os outros motoristas, tinha reações mesquinhas como a de não dar espaço para o outro trocar de faixa e, muitas vezes, reclamava em voz alta dentro do carro, mesmo se estivesse sozinho.

Identifiquei algo interessante: eu tinha essas atitudes quando estava a caminho do trabalho, com expectativas de prazos, desempenho, enfim, em estado de pressão. Entretanto, quando estava indo para algum lugar estimulado pelas agradáveis situações por viver, meu comportamento era diferente. Ficava calmo, era mais tolerante com os erros dos outros motoristas, permitia que mudassem de pista e cantava bem alto as músicas do rádio.

Se o veículo era o mesmo e o condutor também, como poderiam existir dois “motoristas” tão diferentes na mesma pessoa? Com o auxílio da Logosofia, venho aprendendo sobre as deficiências psicológicas – pensamentos negativos que exercem forte pressão sobre a vontade do indivíduo, levando a pessoa a fazer algo que ela não quer e nem aprova. O resultado, muitas vezes, é o arrependimento. Quem nunca se sentiu assim?

E, em determinadas situações, essas deficiências ficam livres para agirem em rápida locomoção, fazendo uso de uma falsa lógica na mente, como é o caso da irritabilidade, que numerosas vezes atua em mim no caminho para o trabalho. Mas algo muda quando me desloco de carro para algum lugar de que gosto. Como nessas situações estou mais alegre, a irritabilidade não tem espaço e os pensamentos positivos fazem fluir o trânsito que, na verdade, é o mesmo, enquanto que a pessoa que dirige é outra, mais organizada por dentro.

Compreendi que, se atuasse com o pensamento de calma, poderia atenuar a irritabilidade e chegaria um dia a neutralizá-la. Com esse objetivo, comecei a partir para a prática ali onde tudo começou: no próprio trânsito.

Vi, por exemplo, que no caminho para a faculdade esses dois lados se evidenciavam: ficava estressado com o trânsito durante boa parte do trajeto, porém, ao chegar nas proximidades do campus, começava a ficar mais tranquilo porque outro pensamento surgia: “estou dando farol alto e buzinando para o carro da frente, mas e se o motorista também estiver indo para a faculdade? E se for alguém que conheço?

Minha atitude mudava todas as vezes que esse pensamento aparecia, pois eu me colocava no lugar do outro. Percebi que eu não iria gostar se alguém ficasse buzinando ou me irritando no trânsito; assim, ficava mais calmo. Comecei também a usar desta “fórmula mental” a caminho do trabalho. Todas as vezes que me estressava com alguém, surgia o pensamento: “e se você conhecesse a pessoa que está dirigindo o outro carro? Você gostaria que agissem desta maneira com você?”.

Ao agir assim, consegui debilitar a ação da irritabilidade, não apenas no trânsito, como também em outras situações em que esta deficiência psicológica irrompia. Percebi que ela se manifestava com as pessoas de que mais gosto e, ao me colocar na posição delas, imaginando-as tratando-me com irritabilidade, observei que não ficaria satisfeito de ser tratado de tal maneira. Logo que surgia uma situação semelhante na minha mente, pensamentos de natureza oposta apareciam, fazendo com que eu me acalmasse. E o que eu recebi em troca? Uma melhor convivência com esses seres tão queridos por mim.

Ainda há um longo caminho a percorrer para neutralizar a irritabilidade e fazer com que a temperança seja o pensamento norteador das minhas ações. Mas cada vez que tomo consciência da ação desse descontrole mental e impeço sua atuação sinto que adquiro mais controle sobre mim mesmo e crio uma oportunidade para ser uma pessoa melhor.