Eu e minha irmã adoramos musicais! Nós estávamos em São Paulo, por apenas um dia e meio, para ver um que estava em cartaz.

As passagens haviam sido compradas dois meses antes, os ingressos estavam impressos na carteira, nosso hotel era pertinho do teatro para não ter problema. Planejamos cada trajeto e cada horário, tomamos banho cedo e comemos no quarto mesmo para não enrolar. Eis que saímos uma hora antes de a peça começar, só para garantir e, vinte minutos depois, descemos na porta do teatro. Mas do teatro errado.

“Claro que é aqui!”, eu falo para a minha irmã. Pego nossos ingressos, abro na frente dela e leio em voz alta… Não era, e, estando numa cidade estranha, nenhuma de nós sequer tinha ideia de onde era o outro teatro.

Sem tempo para pensar, colocamos o nome do lugar certo no celular e chamamos um novo carro, nem nos importando com o custo. Estimativa de chegada: quarenta minutos. Parou para fazer a matemática? Pois é.

A pressa e a não perfeição

Se não tivemos tempo para pensar antes da viagem, durante o trajeto o tempo foi mais que suficiente. Como é que eu tinha permitido que a gente chegasse naquela situação? Como é que eu, tão certa de ter preparado tudo, não tinha me atentado para o nome do teatro?!

Chega disso, agora eu presto atenção! Nossa, como essas ruas são tortas! Aquele semáforo não deixa nem dois carros passarem para abrir de novo. Este motorista claramente não está nem aí para o nosso atraso, será que ele não poderia ir mais devagar? Que cidade lenta, sério! Dava para ter chegado três vezes ao teatro se estivéssemos em Brasília, e tenho certeza de que a pista ao lado está indo mais rápido que a nossa. Nunca vi ruas tão tortas assim!… Que caminho é esse agora, a gente já não passou por aqui?

Epa, pera aí.

Peguei aquela lanterna que eu estava apontando para fora, ajustei o foco e virei para mim mesma.

Imediatamente, vi um monte de coisas que estavam ocultas até então: irritação, impaciência, aflição, remorso. Um turbilhão de pensamentos e emoções que ameaçavam transbordar, pela possibilidade de termos voado 800km à toa.

Já parou para pensar que há coisas para se notar, dentro de nós mesmos, vinte e quatro horas por dia? Que, para cada situação que vivemos externamente, há todo um outro mundo se movimentando internamente?

O olhar para nós mesmos

Pensamentos, sentimentos, emoções, ideias. Um mundo que pode revelar as causas e os movimentos subjacentes de tanto que não entendemos na nossa vida.

Mas adianta eu estar olhando, com toda a atenção do mundo, para algo que não conheço? O que eu estou perdendo, ou deixando passar dentro de mim, por não me conhecer? Após alguns anos nesse trabalho comigo mesma, acho que posso dizer que uma parte desse mundo já me é familiar, mas se tem algo que também sei é que o processo de exploração é contínuo.

Naquele caminho entre teatros, eu liguei a minha atenção, apontei-a para o meu mundo interno e, com os conceitos e conhecimentos que já tinha, não gostei nadinha do que vi. Então decidi tentar mudar, porque chega de andar em círculos na minha própria mente.

Busquei controlar aquele turbilhão de pensamentos e emoções que, por mais rápidos que fossem, não iam alterar a velocidade do carro. Busquei ficar serena, ao menos pela minha irmã, que devia estar, no mínimo, tão chateada quanto eu. Busquei a temperança, a paciência inteligente… e só fui interrompida nessa busca porque chegamos ao teatro.

E agora não é com pouca felicidade que eu digo que, apesar de todos os pesares, nossa história não teve um mau final. Chegamos correndo ao teatro – eu até perdi um sapato no processo –, mas, com sete minutos de atraso, vimos à nossa frente a paisagem mais linda possível: cortinas abertas, e o show ainda na primeira música.

Dessa vez, a desatenção não teve um custo tão alto, mas não tenha a menor dúvida: prestar atenção é algo que eu ou a minha irmã nunca mais vamos dar por garantido.

Hoje sei, aliás, que, para chegar a ser quem eu quero ser, é preciso uma constante e vigilante atenção sobre todos os meus movimentos internos, ajustando esses movimentos para que eles sirvam a mim, e não o contrário. É preciso que aquela lanterna nunca se apague, porque à luz dela é que serei capaz de, cada vez mais, ampliar e aperfeiçoar minha vida.