Certa vez, durante o ensino fundamental, por volta dos 13 ou 14 anos, um professor propôs uma dinâmica para a turma: cada aluno deveria sortear o nome de um colega e escrever um bilhete com observações sobre essa pessoa, sem precisar identificar-se. Depois, cada bilhete seria lido, e isso traria uma maior conexão e união entre os alunos. A ideia era a de que essas observações ajudassem a identificar qualidades e defeitos, para nos posicionarmos melhor no conjunto.
Recordo-me nitidamente do momento em que desdobrei o papelzinho e li o que estava escrito. Que horror! Aquela descrição não correspondia em absoluto à imagem que eu fazia de mim mesma — sempre tão inteligente, tão modesta, tão amiga de todos…
Não preciso nem falar que a experiência do professor redundou em tremendo fracasso; todo mundo brigou com todo mundo e ninguém sossegou até descobrir quem era o autor de seu bilhete — na certa um inimigo.
Esse contraste entre o conceito que cada um tinha de si mesmo e a percepção dos outros foi geral. Essa vivência ficou gravada em minha memória para sempre.
As deficiências são muito facilmente observadas no outro: aquele ali “tem o rei na barriga”, aquela é teimosa, a outra é muito fofoqueira, fulano é um preguiçoso, beltrano é vaidoso, egoísta, intrometido, hipócrita. Mas por que consigo enxergar a realidade do outro e não consigo fazer o mesmo em relação a mim?
Uma das causas dessa incapacidade é a falsa noção de que sou como sou e não posso ou não quero ser de outro jeito.
“Pau que nasce torto morre torto”. Esse ditado popular, repetido à exaustão, é um preconceito que pode gerar postura passiva frente à vida: “Já que não posso mudar, melhor não ver e aceitar como sou.” Essa postura é constantemente reforçada pela cultura vigente, que justifica a manutenção das próprias atitudes, sejam elas positivas ou negativas: “Sou assim, mas quem não é?”. Quantas vezes ouvimos essa frase…
Outra máxima repetida, sempre que a própria forma de ser entra em conflito com a dos outros e dificulta a convivência, é: “Os incomodados que se mudem…” ou, o que dá na mesma, “Vocês vão ter que me engolir!”, a famosa frase de um treinador de futebol.
A falta de conhecimentos que iluminem o olhar sobre si mesmo também contribui para esse estado de coisas.
De fato, à medida que vamos crescendo, vamos adquirindo muitos conhecimentos sobre o mundo que nos rodeia. Hoje em dia, até mesmo uma criança sabe que a Terra gira em torno do Sol, que o Sol é uma estrela modesta em um sistema pequeno dentro da Via Láctea — que também não é uma das maiores galáxias — e que estamos dentro de um universo infinito que se expande a partir de um ponto e, em muitos milhões de anos, voltará a contrair-se, e assim por diante. Porém, nem sempre foi assim: houve um tempo em que os homens imaginavam que a Terra era o centro de tudo e quem ousasse negar essa ideia podia ser queimado nas fogueiras da Inquisição.
Com o avanço da investigação científica, o ser humano adquiriu conhecimentos sobre a natureza física do universo, o que lhe proporcionou cada vez maior liberdade. O conhecimento científico iluminou nossa compreensão do mundo físico. No entanto, o ser humano não é apenas físico. Alguém já conseguiu medir o amor de uma mãe? Ou calcular a velocidade do pensamento? Filmar um sonho? Pesar uma saudade?
Essas realidades imateriais que todos experimentamos revelam a existência de um universo interno, não físico, mas metafísico: o mundo dos pensamentos, sentimentos, das alegrias, dores e ideias. Esse é um mundo ainda amplamente inexplorado pela ciência. É nesse âmbito interno que residem as causas cujos efeitos influenciam nossa própria conduta.
Para superar uma realidade pessoal que não nos agrada e que, embora pouco perceptível para nós, é evidente para quem nos cerca, é necessário começar por aceitar a imperfeição e buscar conhecimentos que vão além do físico. Esses conhecimentos devem permitir-nos enxergar com mais clareza as causas internas dessa realidade que queremos mudar e fornecer ferramentas para realizar essa transformação. Esse é o campo dos conhecimentos logosóficos, que transcendem o saber comum e estão abertos à investigação de todos que realmente queiram introduzir mudanças reais em sua forma de existir.