Neste mundo existem frases, músicas, imagens, expressões, situações e até pessoas que parecem gerar em nós uma identificação imediata. Ficam guardadas na mente como uma foto instantânea, em que basta um único flash para que possamos carregar aquilo conosco dali em diante.
Algumas tocam verdadeiramente a nossa sensibilidade e abrigam nelas um fragmento de verdade que nos é necessário. Para mim, era o trecho da música que dizia “eu prefiro ser essa metamorfose ambulante”. Gravei esse pedaço, sem nem me atentar ao restante, e o interpretei com toda a literalidade natural de uma criança.
Gostava de pensar sobre como era bom mudar, mudar sempre. Então, mudava o cabelo, as roupas, a maquiagem, o ambiente, o hobby, o trabalho.
Penso que essa ideia de mudança atraía-me tanto, porque parecia uma solução para tudo na vida. Não se sente bonita? Mude o cabelo. Está cansada? Mude de ambiente. Está entediada? Mude de atividade, vá fazer outra coisa. Está infeliz no trabalho? Então mude de emprego até encontrar algo que te faça feliz.
E assim, como em um passe de mágica, o problema estaria resolvido. Até que as inquietudes surgissem novamente, é claro. Com isso, a busca por novas mudanças iniciava novamente e eu ficava presa nesse nomadismo procurando por conforto, descanso e, principalmente, por felicidade.
Por um momento, mudei tanto que até cheguei a modificar como falava e como agia em algumas situações, ficando sempre parecida com as pessoas que estavam mais ao meu redor naquele momento. Mas nada disso se fixava, eram sempre mudanças fugazes, superficiais.
Internamente, eu sentia que aquela não era eu. Tratava-se de mais uma persona feita sob medida para a nova experiência. E não só isso: a falta de constância nas iniciativas, a impaciência em aprender algo do zero e a falta de decisão na hora de enfrentar os desafios são uma tríade que esvaziam o sentido de qualquer propósito e que eu experimentava com frequência.
Como havia em mim muitas inquietudes, a ideia de mudança muito me atraía! Eu queria mudar muitas coisas que eu sabia poderiam ser diferentes, melhores. Mas sem o conhecimento sobre a natureza dessas mudanças, eu simplesmente mudava o que era visível, tangível e material.
Essas mudanças que são físicas, apesar de muitas vezes bem-vindas — quando feitas na medida certa —, não eram do tipo que eu precisava. Eu tinha que mudar a mim mesma, deixar de ser inconstante, impaciente, indecisa e temerosa.
Eu precisava aprender a viver a minha vida, e não as milhares de outras possibilidades que habitavam minha imaginação sempre que eu pensava “e se?” , ou quando meu ânimo abatia-se.
Quantas coisas não perdemos quando não abraçamos a vida que temos, quando desistimos de algo no meio do caminho?
Eu dançava balé quando criança e gostava, até o momento em que o grau de dificuldade aumentou e eu comecei a sentir-me desconfortável. Prestes a participar de um concurso, eu pedi para sair, porque claramente me identificava muito mais com o estilo de dança jazz.
Entrei no jazz e, como todo início, fiquei cheia de empolgação — realmente era uma atividade que me alegrava. Até que, novamente, a dificuldade aumentou e, em vez de persistir, de me dedicar, afastei-me novamente e fiz-me acreditar que aquilo não era para mim. É claro que fazia muito mais sentido eu fazer teatro!
Acreditei que eu amava e preferia ser essa metamorfose ambulante até pouco tempo atrás, quando fui revendo a série de coisas que deixei no caminho e que me eram caras, que compunham as pequenas porções de felicidade que eu já havia experimentado. Eu usei da mudança para justificar e normalizar as minhas falhas, para todos e para mim mesma.
A partir do contato com o conhecimento Logosófico, aprendi a ver o outro tipo de mudança que existe e que é muito mais rara: a mudança consciente. A transformação que é feita de dentro para fora, em um processo tão grande que se estende ao eterno.
Mais ou menos nessa época, uma outra frase fixou-se na minha mente e no meu coração:
A evolução consciente implica em mudar de estado, de modalidade e de caráter, conquistando qualidades superiores que culminam com a anulação das velhas tendências e com o nascimento de uma nova genialidade. (Logosofia, Ciência e Método, p.36)
Entendi que, as mudanças que eu precisava fazer, passariam-se dentro e não fora de mim. Fui aplicando esse ensinamento em uma série de vivências, de modo que consegui manter até hoje muito do que comecei a construir nessa época: relacionamentos, hábitos, estudos.
Mais recentemente, procurei fazer um resgate dessas porções que fui deixando no caminho e me recordei da história do jazz. Propus-me a realizar um verdadeiro experimento, em que verificaria se realmente aquilo era algo importante para mim e, em caso positivo, eu teria de cultivar tudo o que me faltou da primeira vez: constância, paciência, decisão e valentia.
Pareceu-me estranho voltar a dançar já adulta, mas assim que entrei na sala, emocionei-me profundamente. O corpo era outro, a energia também, mas o querer agora era com o coração e, por isso, era gigante!
Conciliar o trabalho, os estudos e outras atividades, tampouco foi tarefa fácil, e muitas vezes surgiam pensamentos que justificavam que aquilo era besteira e que faria mais sentido se eu fizesse outra coisa — ou que eu não fizesse nada.
Mas esse querer, munido das virtudes que se expressavam através dos pensamentos intencionais de me comprometer, organizar minha rotina, ser paciente com meu processo, reafirmar todos os dias o porquê de eu estar fazendo as aulas, e a recordação da criança que fui, que se iluminava a cada coreografia, foram os elementos responsáveis por consolidar essa parte da minha vida.
No final do primeiro ano, minha turma, composta só de adultas, apresentou a sua primeira coreografia no festival da escola de dança. Para a minha surpresa, era no mesmo teatro das apresentações da minha infância.
Mesmo já tendo decorrido uma década, o ambiente físico era o mesmo: o camarim, as escadas, a coxia, o palco. Mas eu, eu era outra. Tão mais viva, alegre, presente.
Refleti ali mesmo que estava vivendo, em todas as horas dessa nova vida, como se estivesse sempre no palco, com muita energia, um sorriso gigantesco, e sem sair dele um minuto sequer, sem o abandonar para fazer outras coisas, criar rascunhos do que gostaria de fazer.
Para mim, estar nesse palco é a analogia perfeita que encontrei para expressar a ideia de aprender a viver a minha vida, não rompendo o fluxo do real por um só instante em troca do que poderia ser, ou enchendo-o de pausas e términos. A vida como uma dança que tem ritmo, movimento, mas também coesão, preparo, é como um único ato que, se não estivermos atentos, há de passar muito rapidamente. Às vezes, nem dando tempo de sair da coxia, mas ficar somente assistindo os outros.
Aprendi a ter constância, a mudar o que há dentro de mim de forma real e duradoura, de modo que, em vez de não me reconhecer como antes, eu consigo me ver cada dia mais sendo eu mesma em essência. Sempre em movimento, dançando, sempre em “metamorfose”, mas agora consciente