Aperfeiçoamento

3 – A Lei das Mudanças

maio de 2019 - 10 min de leitura
Aperfeiçoamento

3 – A Lei das Mudanças

maio de 2019 - 10 min de leitura

Umas das coisas que o observador logosófico pode verificar é o admirável funcionamento das leis universais, sobretudo aquelas que mais diretamente têm contato com o homem a fim de regular seus movimentos internos (racionais e volitivos), toda vez que ele adota resoluções que impliquem transcender a órbita de seus planos comuns e participar ativamente em obras que, por sua projeção, excedam as que são habituais para o homem corrente. Também chamam a atenção do observador aquelas que influem diretamente sobre o indivíduo, ao tentar ele qualquer modificação substancial em seu modo de ser (caráter, tendências).

Estas leis, embora geralmente ignoradas, nem por isso são menos rigorosas e efetivas. Na vida comum, elas intervêm muito poucas vezes, já que o homem, ao se conformar com uma existência banal e vegetativa, não se coloca, a não ser por exceção, em condições de sentir o influxo benéfico e modelador delas. Se, porém, depois de experimentar as angústias da ignorância, angústias que o mantêm imerso numa atmosfera de desorientação, viciada e contaminada pelas mais grosseiras e toscas manifestações das forças instintivas que dominam o ambiente, ele se propõe alçar-se por sobre as camadas ambientais da intelectualidade comum, imediatamente põe em jogo, claro que sem saber disto, as magníficas excelências de sua maravilhosa criação. Essas excelências são as que permaneceram, se assim podemos dizer para uma melhor compreensão, num estado embrionário, pela simples razão de não lhes terem sido dados os meios indispensáveis que propiciassem e fizessem possível sua manifestação e, ao mesmo tempo, os estímulos que facilitassem o livre desenvolvimento do que haveria de converter-se em faculdades de outro tipo, diversas das conhecidas, já que elas atuariam sob o comando de diferentes necessidades, o que supõe ou determinaria a realização de um processo evolutivo consciente.

Ao pôr em funcionamento essas engrenagens que permaneceram inativas dentro da estrutura espiritual humana, é como se fosse aberta uma nova vida, cheia de possibilidades. Vida que será imprescindível nutrir, atender e cercar dos maiores cuidados, se na verdade se quer existir nela e desfrutar os inumeráveis benefícios que semelhante prerrogativa oferece.

Pode ser que as projeções de uma existência assim tenham a virtude de ser poderosamente estimulantes, e a alma chegue, por assim dizer, até a embriagar-se de ventura sob os efeitos de um entusiasmo que se renova constantemente na proporção do esforço, devido aos frutos que a pessoa consegue na tarefa de sua própria superação, com base, logicamente, nos conhecimentos que constituem bens valiosos em seu acervo individual.
Não obstante tudo isso, não depende desses estados psicológicos – que, ao não se fixarem, deverão ser considerados transitórios – o processo regular que indispensavelmente deve seguir – assim o aconselha a razão – para cumprir uma trajetória feliz no caminho das altas verdades e princípios que fundamentam o porquê e explicam as causas pelas quais a criatura humana, adaptada de forma tão extraordinária às exigências da Criação universal, deve sobrepor-se à sua comum limitação e estender sua existência para além do cenário comum onde costuma passar seus dias, sem outras perspectivas que as oferecidas pela vida corrente.

Quando se toma, pois, a decisão de situar-se num terreno de possibilidades e prerrogativas superiores às que são habituais ao mundo, deve-se ter sempre presente, para evitar contratempos e circunstâncias adversas que surpreendam a própria ingenuidade, que não será possível dar um passo firme em direção aos domínios do conhecimento e colocar-se ao amparo das leis que regem a evolução consciente, como é a que concerne às mudanças, enquanto a pessoa não se transporte, decidida e definitivamente, para a posição que quer, pensa ou crê ocupar, desde o instante em que ela se coloca nela com o intuito de desfrutar suas prerrogativas.

Há quem pense, por exemplo, que o simples fato de se achar atuando, em determinado momento e por vontade própria, numa corrente de ensino transcendente, tal como a que o pensamento logosófico anima, seja suficiente para que o próximo o considere dentro de outro conceito e o distinga, em suas apreciações e na convivência, como se de pronto tivesse deixado de ser quem era e, em seu lugar, tivesse aparecido outra pessoa, investida de dons e características diferentes, mas muito superiores aos do anterior. E até existem aqueles que se admiram pelo fato de os demais não notarem sua transformação e não lhe conferirem o posto de importância a que, a seu juízo, têm direito. Crasso erro, que só se pode atribuir ao estado infantil do qual o homem poucas vezes costuma se libertar, e que ocorre precisamente quando ele aguça e leva ao extremo suas precauções, simulando seriedade quando só deveria existir a naturalidade na expressão e no gesto.

Já estamos vendo que não é questão de dizer aos demais: “eu sou isto”, ou “eu faço aquilo”, ou “eu sei coisas que ninguém sabe”, pois isso evidenciaria estar em aberta contradição com os princípios básicos da Logosofia, que ensina, antes de mais nada, a ser sensato, a utilizar a razão e ser formal em todas as coisas. Se devêssemos explicar por que são manifestadas tais atitudes, emanadas da irreflexão, diríamos que elas não são mais que a consequência de a pessoa haver vivido tantos anos alheia à existência de certa classe de conhecimentos, experimentando por tal causa, ao ter contato com eles, a sensação de deslumbrar-se. Parece-lhe que de uma hora para outra toda a ignorância contida em sua mente é posta fora, sendo seu lugar ocupado pelos luminosos raios do saber.

Como é óbvio, na generalidade dos casos em que se toma a determinação de efetuar em si mesmo um trabalho de reforma, cada um há de ter feito
para si formais promessas de mudar seu modo de ser, superar-se e alcançar uma evolução que o coloque, de fato, em posições privilegiadas no que diz respeito àquelas que teria tido se não fossem as circunstâncias que assinalamos. Também será preciso dizer, por ser verdade, que muitos se esforçam no cumprimento desse ideal e se consagram a ele, ocorrendo nesses casos, sem dúvida, mudanças positivas na conduta, no caráter e na condução da própria vida. Mas as mudanças realizadas no processo de superação haverão de ser – digamos sem eufemismos – ad referendum, já que têm de ser ratificadas pela repetição natural e espontânea das atitudes que derivam desse novo estado, produto de uma transformação de modalidade e um melhoramento da cultura que caracterize o homem de maneira inequívoca.

É comum observar que, depois de se manter numa posição que acreditou ser imodificável e, portanto, capaz de inspirar a consideração e até o afeto dos demais, a pessoa, seja por um pensamento de obstinação, seja por eventual esquecimento dos deveres para com essa mesma posição alcançada, desliza pelo terreno inclinado da suscetibilidade pessoal e começa a cometer, um após outro, erros idênticos àqueles que cometia quando atuava, por ignorância, sem o menor sinal de sensatez.

É aqui que a Lei das Mudanças se faz presente, para advertir que não pode outorgar a concessão do novo estado a quem não sabe avaliar os valores dele e afirmar, definitivamente, esses valores na consciência.

Todos desconfiam do “novo rico”, enquanto este não os convença de que é capaz de administrar os próprios bens. Eis, então, explicado o porquê dos receios diante daquele que, não tendo tido riquezas antes, sejam materiais ou baseadas nos tesouros do conhecimento, aparece de improviso com elas na mão, fazendo sinais da cruz, como se diz no mundo católico, ante o temor de perdê-las ou de que alguém as roube.

A solução está, pois, para quem pretende ou pretendeu ter realizado mudanças reais em sua vida, em ajustar-se num todo ao que a Lei que rege as Mudanças dispõe, isto é, que tais mudanças passem de maneira direta e decisiva a formar parte do quadro de suas condições e méritos; se elas forem apenas aparentes, logo será provada sua consistência e, em consequência, sua efetividade.

São muitos os que iniciam com grande entusiasmo um empreendimento e transmitem aos quatro ventos tudo que vão fazer, para que o mundo
inteiro os admire e aplauda, como se a obra já estivesse feita. Eles mesmos, depois, abandonam a empresa e voltam a ser o que eram. Pobres sonhadores, fracassados e covardes, que não souberam enfrentar as situações difíceis, crendo que tudo haveria de ser campo florido. Em semelhantes condições se acham aqueles que empreendem a importantíssima tarefa da própria superação, que enfocam decididamente seus esforços na conquista de condições superiores de ilustração e conhecimento e, molestados por causas secundárias, chegam até o ponto de interromper sua atividade nesse sentido e de voltar à posição anterior. Como podem eles pretender que a Lei das Mudanças lhes outorgue as franquias que são conquistadas por aqueles que continuam sua evolução sem interrupção, confirmando em suas atuações a certeza de seus próprios avanços? Isso é o que implicará, logicamente, a consolidação do novo conceito que estão lavrando de si mesmos na consideração dos demais, o que não se faz em dias nem em meses e, muitas vezes, nem em um ano. E acontecerá de acordo com a tarefa, que caiba a cada um, de inspirar a confiança que a mudança realizada deve merecer e de anular a impressão de sua conduta anterior.

A firmeza dos projetos ou objetivos que o homem persegue, quando se encaminha para a obtenção de um anelo superior, há de ser determinada por uma decisão igualmente firme e um juízo de caráter inalterável. As resoluções que posteriormente possa tomar, se forem contrárias a estas, só servirão para pô-lo em ridículo e jogar por terra seu prestígio e tudo quanto tiver edificado com os olhos postos em seu futuro.

As condições relevantes de um homem têm de coincidir com a natureza de seus pensamentos, de suas expressões e de seus atos. Quem possui condições superiores e conhecimentos importantes demonstra isso na fecundidade de seu trabalho, na multiplicidade de suas atividades, na generosidade de sua alma e nas excelências de sua vida útil e fértil.

A Lei das Mudanças é inexorável e jamais coloca ninguém em outra posição que não seja a que cada um conquista e detém, sem variações de nenhuma espécie.

Os que experimentam os benefícios da sabedoria logosófica e, por meio dela, conseguem uma cultura superior pela obtenção de conhecimentos básicos e transcendentes, não devem esquecer que, representando isso o processo ou criação de uma nova individualidade, têm que ajustar sua vida às exigências dessa nova existência, como a tem que ajustar o novo rico que deixou os ambientes que cercaram sua pobreza. Disso não se deve inferir que se haverá de desprezá-los, pois grande será a ação de ser útil a um semelhante, favorecendo-o com lições que sejam a fiel expressão de um exemplo vivo; noutras palavras, que o discurso seja acompanhado de uma demonstração cabal de que os demais podem fazer o que lhes é indicado e alcançar tudo que o agraciado alcançou.

A mente humana é tão frágil que, quando não está organizada e sua atividade não está disciplinada dentro de uma ordem estrita, os pensamentos mais bem inspirados costumam virar frangalhos, ao serem sacudidos violentamente pelos atos irreflexivos motivados pelas leviandades que, muitas vezes, são cometidas sem se pensar nas consequências.

Aquele que malogra o processo de superação integral que, durante um tempo, cuidou de não expor aos perigos das perturbações correntes comete a insensatez mais injustificável e, por certo, haverá de lamentá-lo um grande número de vezes, até o final de seus dias.

Por algo as leis universais põem tanto à prova o homem que penetra na senda do conhecimento, não o deixando em paz enquanto ele não tenha demonstrado a devida capacidade e compreensão das forças que pode usar de acordo com sua vontade. Que ocorreria numa usina elétrica se
fosse permitido a qualquer um, bastando que invocasse conhecimentos de eletrotécnica, manipular os complicados cabos condutores de energia?

As altas esferas do saber transcendente estão conectadas ao entendimento humano, mas isto não quer dizer que cada um possa manejar, de acordo com seu capricho, as correntes mais elevadas do pensamento, a não ser quando tenha alcançado, por seu esforço e sob uma rigorosa direção, a necessária evolução e um estado de consciência que lhe permita fazer uso de semelhante prerrogativa. Antes, porém, a Lei de Mudanças terá precisado intervir uma infinidade de vezes para corrigi-lo e fazê-lo experimentar muitas verdades.

Photo by Mikito Tateisi on Unsplash


Um pensamento de

 Carlos Bernardo González Pecotche (Raumsol)
Carlos Bernardo González Pecotche, também conhecido pelo pseudônimo Raumsol, foi um pensador e humanista argentino, criador da Fundação Logosófica e da Logosofia, ciência por ela difundida. Nasceu em Buenos Aires, em 11 de agosto de 1901 e faleceu em 4 de abril de 1963. Autor de uma vasta bibliografia, pronunciou também inúmeras conferências e aulas. Demonstra sua técnica pedagógica excepcional por meio do método original da Logosofia, que ensina a desvendar os grandes enigmas da vida humana e universal. O legado de sua obra abre o caminho para uma nova cultura e o advento de uma nova civilização que ele denominou “civilização do espírito”.

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