O mundo deve preparar-se para um grande acontecimento: a paz futura
Há coisas que a humanidade não consegue compreender, e não as compreende justamente porque só atina a encarar a realidade quando esta já se aproximou tanto que se torna impossível deixar de senti-la.
Mas essa realidade costuma ser, na maioria dos casos, a consequência de um processo que se foi gestando no mundo e ao qual a humanidade, por negligência, por excessiva indiferença ou, melhor ainda, por incompreensão a respeito dos acontecimentos, permaneceu alheia, até o momento em que a violência das comoções bélicas ou sociais a despertou desse letargo pouco menos que mortal em que havia mergulhado. Daí que não lhe seja dado apreciar e julgar o que acontece em cada circunstância que, por encadeamento, se promove no grande teatro dos episódios internacionais, nem tampouco – o que é mais grave ainda – aquilo que acontece no rigor das experiências que impelem o mundo a adotar decisões supremas, resultantes das situações que se apresentam ao seu porvir.
A guerra atual, ainda que aparente assemelhar-se em seus objetivos às anteriores, difere em alto grau quanto às projeções e consequências. Esta é uma guerra preparada durante longos anos; guerra que os homens foram incapazes de evitar. Ideologias articuladas em ferozes desígnios foram e são o explosivo com que se pretende aniquilar a vida independente e racional do semelhante, e, ao dizer semelhante, referimo-nos a povos e continentes que, por natural reação do espírito humano, rechaçam esse temperamento arbitrário e absoluto que conspira contra os princípios que regem a sociedade e a solidariedade humana, e que está em aberta oposição às leis e mandados que alicerçam a soberania dos povos e fazem do indivíduo um ente nobre, livre e civilizado.
O homem comum, em geral apreensivo, temeroso e inclinado ainda às ilusões mais absurdas, desde que alimentem esperanças, de seis meses para cá já acreditou, repetidas vezes, que a paz poderia sobrevir de um momento para outro na Europa e, por conseguinte, no mundo, pois bem se sabe que o que acontece nesse continente afeta todos os âmbitos do orbe.
Mas ninguém pensou, ou só uns poucos o fizeram, que uma paz nestes momentos seria um desastre para a humanidade. Não se poderia evitar o caos mais espantoso que se produziria em todas as ordens da vida. Seja-nos permitido explicar esta afirmação, que fazemos baseados em profundas e por demais sutis observações sobre o gravíssimo instante que o gênero humano está atravessando.
A estrutura social, política e econômica dos povos não pode ser modificada bruscamente, sob pena de se produzirem fortes e às vezes irremediáveis comoções no seio deles. Pois bem; se, como vimos, as nações estiveram se preparando para esta guerra, umas levadas pela premeditação encarnada no instinto agressor, e outras obrigadas pela necessidade de existir e defender o patrimônio de séculos e, com ele, a liberdade, o direito e a justiça, convenhamos que tanto mais necessário será, nos momentos atuais, que esses mesmos povos e o mundo em geral se preparem para a paz, acontecimento este que deve ser considerado de tanta ou maior transcendência que a própria guerra, uma vez que esta última já absorveu a vitalidade de países inteiros, fez desaparecer a vida normal e alterou quase todas as normas da convivência comum, fazendo com que a maioria dos homens de trabalho – que antes ocupavam um lugar dentro do mecanismo social, econômico, e nas demais ordens que formam a base pela qual se regem os povos e a família – agora se achem em campos de batalha ou ocupados em fábricas ou outras atividades relacionadas diretamente com a guerra, sem esquecer os que passam as penúrias mais horrendas nos campos de concentração.
Poderão nos perguntar por que é necessário preparar-se para a paz, se, uma vez terminada a guerra, cada um voltará para sua casa e a vida de imediato se normalizará.
Gravíssimo erro. Em primeiro lugar, nem todos voltam para suas casas… e, em segundo, os povos e os lares que foram destruídos não são reconstruídos tão facilmente como a ilusão corrente parece supor. Será necessário – mais que isso, será absolutamente indispensável – que os povos criem novas fontes de trabalho, pois se, ao encerrar a guerra e regressarem os soldados a suas pátrias, as fábricas de armamentos também encerram suas atividades, deixando milhões deles sem trabalho, o que é que mais provavelmente vai acontecer? As revoluções mais sinistras de que a história dos séculos jamais teve noção.
A guerra não pode terminar agora. O próprio espírito de conservação da espécie humana exige isso. Os que desencadearam a guerra devem
saber que as leis universais podem ser forçadas, mas o prato da balança não poderá permanecer por mais que um limitado tempo fora de seu nível, e logo haverá de buscar, pela própria força que o sustenta, o equilíbrio que ele alterou ao pender para o lado oposto.
A tarefa que os governos devem encarar, sobretudo os daqueles países que marcham na liderança, é simplesmente enorme, e não é menor
a responsabilidade que incumbe a eles.
Novas rotas têm de ser abertas para o futuro humano. Os homens que foram arrancados da vida normal devem voltar a ela livres das preocupações que embargaram seus dias de juventude e de luta. Devem saber que a pátria que os convocou para sua defesa lhes oferece, no seu regresso, um lugar na sociedade, o qual será, se não o mesmo, pelo menos similar ao que tiveram antes de partir.
Essa é a obra na qual os povos, estejam ou não em guerra, devem se empenhar desde já.
É preciso saber, de uma vez por todas, que a paz não significa a cessação da guerra, mas sim a volta à normalidade, e esta só poderá ser alcançada se forem preparadas de antemão, com tempo e estudo, as bases de uma subsistência comum.
Por isso, estimamos que esta guerra tem de durar ainda dois ou três anos, enquanto as nações se põem em condições de encarar a paz, com
todos os recursos que ela reclama para ser efetiva, verdadeira.
Mas é absolutamente necessário que os que já falam de como deverá ser encaminhada a vida após a guerra, neste caso a Inglaterra e a América do Norte, se preocupem em ganhá-la a todo o custo, não poupando esforço nem sacrifício algum para alcançar tão ansiado fim, pois é a única forma de conceber o futuro como o anela a humanidade que vive à margem de tão fantástica luta e de tão terríveis massacres de homens.
Extraido do Livro Coletânea da Revista Logosofia – Tomo I(p.29-32)