Vida

A fábrica de alegria

fevereiro de 2025 - 4 min de leitura
Vida

A fábrica de alegria

fevereiro de 2025 - 4 min de leitura

Um grupo de pessoas resolveu escrever cartas para mulheres e meninas que se encontravam em um abrigo após as fortes chuvas que assolaram o sul do Brasil. Um sentimento puro comoveu o coração daquelas criaturas, levando-as a expressar algo que pudesse ajudar aqueles seres a enfrentar tão dura adversidade.  

Eu participava daquele grupo e fiz a escolha de escrever para uma das meninas. Não tinha ideia de quem ela era.  Impossível colocar-me no lugar e na situação daquela criança, mas sabia que muitas passagens felizes ou significativas da infância permanecem para sempre dentro de nós e, quando recordadas, podem tornar os momentos difíceis mais leves. 

O que eu queria escrever para aquela menina? Lembrei-me que, quando contava sete anos de idade, havia residido no mesmo estado do sul que ela vivia. Contei-lhe que fui muito feliz na linda terra em que ela morava e que fiquei triste quando meu pai foi transferido para outra região do país. Relatei que, depois de algum tempo, minha tristeza diminuiu ao trazer para junto de mim a recordação de vários momentos alegres vividos naquele lugar tão especial que nós duas compartilhávamos. Disse-lhe que meu primeiro cachorro tinha o nome do vento que soprava por lá, que me lembrava dos campos, das deliciosas melancias, de ter montado num cavalo manso e de tantas outras coisas. 

Sugeri que ela fechasse os olhos e recordasse algo bom que tivesse vivido. Um tipo de “mágica” faria com que a alegria voltasse para dentro dela. Dessa forma, talvez pudesse suportar aqueles tempos difíceis e tristes que seu entendimento incipiente não era ainda capaz de abarcar. De certa maneira, dividi com aquela criança uma descoberta que eu tinha feito em meus estudos sobre a alegria. Descobri que a alegria é uma força, existindo maneiras inteligentes, sensíveis e simples de adoçar o amargor da tristeza e trazer um pouco de alegria. Isso revigora e dá alento, impedindo que o ânimo decaia diante das adversidades.  

A experiência de escrever para a menina fez-me recordar de outro fato que me havia comovido bastante. Em certa ocasião, vi na televisão um repórter entrevistando uma família num período de seca e escassez terríveis. De repente, a câmera focou em um garoto de semblante tranquilo que brincava com alguns ossos como se fossem cavalinhos e criava uma história para se distrair.  Apesar da tristeza que o cercava, ele parecia alegre. De onde poderia ter surgido a alegria que o amparava naquele momento de grande desalento para sua família?   

Muito tempo depois, em meus estudos de Logosofia sobre a alegria ser uma força, conectei esse episódio tão delicado a outros que já havia observado em crianças. Elas são capazes, em diversas situações difíceis, de criar alegria de maneira natural e espontânea. Além disso, também “inventam” momentos alegres com suas brincadeiras para saborear a vida de forma mais leve. Dentro das crianças, há uma espécie de “fábrica de alegria”, cujos alicerces sustentam-se na parte espiritual humana.  

Mas por que o adulto, ao se deparar com problemas, situações difíceis e decepções, parece muitas vezes perder essa capacidade de criar ou vivenciar a alegria que as crianças experimentam espontaneamente? Existem vários fatores, e um deles me leva a pensar muito. A ignorância sobre a dimensão espiritual que o ser humano possui faz com que se esqueça não apenas da criança que um dia fomos, mas também do que essa infância possibilitou-nos experimentar: a força que a alegria exerce em nossas vidas.   

A redescoberta da minha parte espiritual tem possibilitado, em muitas situações, reativar a “fábrica de alegria” dentro de mim. Ao recordar a menina que fui, suas características, seus sonhos e a força dos momentos alegres vividos, sinto o frescor da infância voltar e experimento mais leveza para viver.  

Quem pensa nessa criança (que fomos) e a contempla através de suas recordações, observando-a em suas brincadeiras, em seus pensamentos, em suas inclinações e em sua inocência, verá quanto tem a aprender com ela e quanto lhe deve; mais ainda: quanto deveria conservar daquele pequeno ser para que hoje, grande em tamanho e em idade, lhe seja permitido pelo menos experimentar algumas daquelas inocentes, porém gratas sensações que deram à sua vida as melhores horas. (p. 174)


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