Para termos um bom desenvolvimento de nossas vidas, é natural que façamos planos, idealizando o futuro que desejamos. Tanto no campo familiar, como no profissional ou no econômico, ainda que seja difícil visualizar futuros distantes, cada um tem pelo menos uma ideia do que quer alcançar, e, diria ainda mais, do que será preciso superar para obter sucesso. Para isso, elaboramos metas, nos preparamos e enfrentamos as dificuldades inerentes ao caminho, sabendo onde queremos chegar, ou seja, temos a imagem clara do que buscamos.

Quando não é assim, por exemplo, ao começar o dia sem um planejamento ou sem saber o que teremos de fazer, sobrevém a falta de vontade, começamos e não terminamos diferentes afazeres e, ao anoitecer, percebemos que perdemos muito tempo que poderia ter sido melhor aproveitado. Daí a importância de saber o que se busca, bem como de ter planos de ação claros e realizáveis.

Por outro lado, assim como buscamos progredir em diferentes campos da vida, podemos também afirmar que todo ser humano quer ser melhor. Seja no relacionamento com os demais, ou para superar alguma condição individual – a timidez, por exemplo -, é comum a todos esse “querer ser melhor”. Contudo, poucos são aqueles que possuem um plano para realizá-lo, e menos ainda os que conseguem colocá-lo em prática. E qual será a razão disso? Sendo algo tão buscado, por que tão poucos obtêm êxito em superar o ditado que sentencia: “Pau que nasce torto, morre torto?”

Ao me fazer essas perguntas, percebi o que estava faltando. Ao contrário dos meus outros objetivos e propósitos, com esse, que deveria ser o mais importante, eu não tinha clareza do que queria alcançar. Afinal, qual é a imagem do ser que eu estou criando? Se não temos claro o que buscamos, ou seja, a imagem ideal de nós mesmos, dificilmente seremos capazes de avançar positivamente na superação individual. Seria o mesmo que começar o dia sem nenhum plano, porém, neste caso, corremos o risco de, ao final, não podermos mais recuperar o tempo perdido.

Em um dos livros da ciência logosófica, o autor sugere o seguinte exercício a cada um que busca ser melhor:

Simultaneamente à valorização das próprias condições e qualidades, impõe-se a criação de um personagem cujo arquétipo poderia ser você mesmo. O Senhor de Sándara, Pág. 221 – 1º

A criação deste personagem não é mera artimanha imaginativa. Afinal, de nada adiantaria um personagem fictício ou quimérico, sem conexão com a realidade. Esse personagem deve ser uma versão de nós mesmos, na qual vemos a projeção das virtudes que estamos construindo. O mais interessante é que, no começo, não temos clareza de quais qualidades o compõem. Daí a riqueza de se fazer esse exercício em constante vinculação com a vida.

Há poucos meses, meu personagem me permitiu sair de uma situação bem desagradável. Tenho por costume viajar de ônibus para visitar familiares. São viagens longas, de oito horas de duração. Em uma delas, sentou-se ao meu lado uma pessoa que, pouco tempo depois de iniciarmos o trajeto, transgrediu uma regra sanitária imposta a todos os passageiros, relativa ao uso de máscaras. Percebi-me apreensivo diante do fato, pois o ambiente do ônibus era crítico em termos de contágio.

No entanto, esperei um pouco para ver se ela voltaria atrás. Quando notei que permaneceria sem, pedi-lhe que colocasse a máscara. Dali em diante, desenvolveu-se uma discussão. Tanto eu, quanto ela, julgamos que estávamos com a razão, por isso não houve entendimento. A única solução viável foi ignorar a situação, mas o mal-estar gerado já estava estabelecido.

Sabendo que iria passar horas ao lado daquele ser, propus-me a um exercício mais produtivo do que simplesmente ficar cultivando rancor ou remoendo o ocorrido. Recordando o ensinamento logosófico, fiz a seguinte reflexão: “o que o meu personagem teria feito de diferente nesta situação? Será que teria obtido um resultado melhor do que eu?” E, ao fazer isso, ao projetar nele as virtudes que me faltaram para agir com mais tato e precisão, pude identificar os pontos débeis de meu caráter que precisavam ser superados. Eu não deixaria de me colocar e de pedir para que a norma fosse cumprida, mas os pensamentos com os quais eu teria feito esse pedido poderiam ter sido os de conciliação e diálogo, ao invés dos que geraram reação e alimentaram a discussão.

Ao criar esse personagem, fazendo-o viver a mesma aventura que eu, fui capaz de extrair da experiência o elemento prático e construtivo, com o qual pude empreender um plano de superação efetivo e não mais uma vaga ideia de “ser melhor”. Senti-me tão feliz com aquela conclusão que, ainda no ônibus, experimentei até certa gratidão ao ser que me proporcionou a experiência, ainda que tenha se iniciado de forma negativa.

Com esse exercício, também fui capaz de conhecer um pouco mais de minha psicologia, de meus defeitos caracterológicos, das virtudes que tenho e das que me faltam. E, ao seguir essa prática repetidas vezes, vamos consolidando um constante estado de observação sobre a vida — interna e externa. Somente assim podemos avançar decididamente no conhecimento de nós mesmos e na definição de uma meta ideal a ser alcançada. Isto é fundamental, pois, conhecendo nosso estado atual e onde queremos chegar, fica mais simples traçar o caminho de superação a ser trilhado.

Na circunstância que contei, ao fazer meu personagem viver a mesma situação que eu, pude aprender com ele, visto que atuou com qualidades superiores às minhas. Contudo, feliz será o momento em que farei cumprir as palavras do autor:

Feito isso, compare-o com você mesmo e decida se será você quem deve imitar seu personagem, ou quem concederá a ele a graça de imitá-lo. O Senhor de Sándara, Pág. 221 – 1º