Estou eu sentado num barzinho de Belo Horizonte, com mais duas pessoas, num desses feriados prolongados quando a cidade esvazia. Lá pelas tantas, vejo entrar no estabelecimento um garotinho maltrapilho vendendo balas. Dividindo minha atenção entre aquela cena e o assunto em pauta no nosso grupo, observo como a criança repete, mesa após mesa, um breve discurso previamente decorado. Seu tom é choroso, excessivamente afetado e dramático. Não sei se é um bom vendedor de balas, mas vejo que é um mau ator.

Quando chega ao meu lado, espero em silêncio que repita seu monólogo, ouço o tom de voz embargado, vejo os olhos tristes de onde não brota uma lágrima. Ao final do ato, me manifesto: “Não vou comprar suas balas, sabe por quê? Porque estou observando seu teatro, e vi que não é verdade. Você pode vender suas balas, mas não precisa tentar enganar as pessoas.”

Meu tom de voz é firme, seco, professoral. O menino, surpreso, emudece. Minhas duas acompanhantes, ambas do sexo feminino, se calam também, estarrecidas.

Enquanto o jovem protagonista do drama se afasta em direção a outra mesa, começa o ataque. Sou vítima dos severos, indignados protestos de minhas amigas. “Que horror! Tudo bem não querer as balas, mas precisava fazer isso? Coitada da criança!” Tento me explicar, com frases entrecortadas infiltradas na rajada de xingamentos, quando o pequeno vendedor retorna para junto de nós.

Ele para exatamente no mesmo lugar de antes, a fisionomia séria, serena, e com voz suave pergunta: “O senhor gostaria de comprar uma bala?” Sorrio para ele e respondo: “Claro que sim!”, já sacando o dinheiro do bolso. Silêncio na mesa. Minhas duas algozes se entreolham, mudas, e depois me encaram com olhares inquisidores. Finalmente tenho a oportunidade de me explicar.

Não é fácil fazer o bem. A fim de obter o que quer, seja justo ou injusto, nobre ou ilícito, o ser humano faz uso de “táticas de marketing” de toda espécie, com o objetivo de chamar nossa atenção, derrubar eventuais barreiras e, finalmente, obter nossa adesão para sua causa, seja ela qual for. O efeito disso é que somos expostos a tanto engano que nossa sensibilidade, pura por natureza e apta para o bem, acaba se fechando ante o temor de ser defraudada pelo embuste. Inseguros, acabamos optando pelo cômodo recurso, oferecido pela razão, de cuidar de nossas próprias vidas, e cada um que se vire.

Mas é possível, o episódio relatado me mostra isso, ser eficiente no ato de fazer o bem, quando anexamos a ele o uso da inteligência. Quando, através da observação, da reflexão, do entendimento e do ato de pensar, somos capazes de enxergar além das aparências impostas pela ficção, a razão pode atuar com maior segurança, buscando o acerto.

No momento em que fui firme ao repreender a criança, dentro de mim não existia nenhuma reação negativa ou violência. Eu estava sereno, plenamente consciente, quando identifiquei o pensamento de explorar o sentimentalismo e busquei, dentro de mim, o recurso que funcionasse como antídoto. Minha intenção, por trás de tudo, era fazer um bem à criança, um bem maior do que simplesmente comprar sua bala e, por comodismo, ignorar um desvio moral.

Naquele momento funcionou. Eu gostaria de pensar que aquela ocorrência, se não provocou uma mudança definitiva naquela mente infantil, pelo menos deixou nela uma semente, um motivo para reflexão futura. Mas, mesmo que tal não ocorra, penso que atuando assim, com a sensibilidade de mãos dadas com a inteligência, nosso sentimento de fazer o bem pode ser exercitado mais vezes, com maior acerto.

Se nesse mundo árido de falsidade, embuste e mistificação, algumas dessas sementes germinarem, sobretudo nas mentes infantis, penso que podemos sonhar em ver um mundo onde o “fazer o bem”, livre para respirar sem ser sufocado por interesses mesquinhos e inconfessáveis, possa se manifestar com maior naturalidade. Seremos todos mais felizes então.