Ante uma pessoa que expresse enfaticamente: “O que é que você quer que eu faça? Deus me fez assim e nada poderá me modificar”, que diria você, leitor?

O que comumente se tem dito nesses casos é que tal pessoa não tem conserto, ou que não há meio de fazê-la mudar sua maneira de pensar.

Pois bem; não seria interessante, por acaso, saber o que faria um bom logósofo diante de uma pessoa assim?

Vejamos o seguinte: a primeira impressão que ele receberá é de que tal pessoa se colocou à margem da razão e, portanto, de toda lógica. Essa impressão delineia o esquema psicológico do ser, colocando-o dentro de um quadro em que a sensatez pareceria estar ausente. Depois de enfocar detidamente essa posição mental, uma segunda impressão lhe indicará que é preciso um tato especial para fazer com que o obstinado se decida, em primeiro lugar, a entrar nos foros da razão, analisar e buscar os fundamentos de tão temerária afirmação. Caso se ache ante um amigo, perguntará a ele: “Como você sabe que Deus o fez assim? Ele o fez assim quando você veio ao mundo ou foi agora?”

No primeiro caso, o logósofo admitirá que tenha sido assim, mas, no segundo, não poderá admiti-lo. O interrogado terá tido inúmeras oportunidades de mudar a face de sua vida e, como todos, deve ter suas aspirações, só que lhe faltam os meios de realizá-las. Um conformismo absoluto, como o que assinalamos, é inconcebível em quem, cheio de vida e de prerrogativas, pode cumprir altas finalidades. Se lhe fosse proposto mudar de posição, melhorando suas condições em todos os sentidos, continuaria sustentando que nada poderia fazê-lo mudar? Seria absurdo; seria renunciar a seus direitos de ser humano dotado de inteligência.

Deus fez o homem à sua semelhança. Isso já significa e expressa uma condição que negou às demais espécies do orbe. Pretender que o tenha feito caprichosamente, com um selo particular, limitando-o a sofrer as conseqüências de uma precária situação, como a que a expressão analisada por nós supõe, seria uma aberração inadmissível. Portanto, devemos considerar que, se Deus fez o homem à sua semelhança, cabe a este descobrir as chaves que o tornem consciente de tal semelhança; mas, para isso, apenas desejar não é o bastante. As referidas chaves só aparecem à vista quando o entendimento está preparado para compreendê-las e delas servir-se sensata e judiciosamente.