Preceptor: — Você já deve ter ouvido muitos seres proclamarem com frequência seu amor à vida, exaltando seu apego a ela nos momentos em que pressentem achar-se próximos ao final de seus dias. Pois bem, o que lhe sugere esse fato?

Ergasto: — A meu ver, é o temor à morte o que faz amar a vida e aferrar-se a ela. Esse fato me sugere, pois, a manifesta exaltação de um instinto natural.

Preceptor: — Examinemos a questão do ponto de vista logosófico. Vejamos, em princípio, o que é que na realidade os seres amam: seu invólucro físico, a fortuna que eventualmente possuam, ou tudo quanto os rodeia? Concretamente, o que mais se aprecia nessa vida e que tanto custa deixar? Observa-se, com efeito, que uns sentem profundo apego pelo ouro copiosamente acumulado; outros, por sua vez, o experimentam por seu ser físico, do qual estão enamorados.

Ergasto: — Estou mais para crer que o que se quer é o conjunto, isto é, tudo quanto o ser é e tem.

Preceptor: — Evidentemente, o egoísmo humano não faz regateios para si. Porém, vejamos: sabem esses seres por que e para que amam a vida? São conscientes desse amor? São fiéis a ele? Como é esse amor: sincero, verdadeiro, ou falso? Eis aí uma oportuna e conveniente reflexão prévia que fará compreender melhor o alcance deste ensinamento.

Ergasto: — Agora o assunto se complica; ninguém pensa nem nunca pensou nisso, que eu saiba.

Preceptor: — O fato de ninguém pensar nisso não impede que possamos fazê-lo nós, dando lugar, assim, a que possam pensar mais atinadamente os que ainda não o fizeram. Se, perante cada ser que valorize em algo o conceito da vida, nós nos apresentássemos com esta tríplice interrogação: “Para que você quer a vida: para reiterar o uso que fez dela, como no passado?; para reiterar o que está fazendo?; para o que fará?”, não se deterá, por acaso, para refletir com sensatez sobre o problema? Mais de um, ante sua própria consciência, não exclamará: “Que tenho feito de minha vida! Um acúmulo de misérias, cuja recordação, como as cascas de ovo, nada contém”? Que perspectivas se abrirão depois a seu futuro? Outras, talvez, que não sejam as de repetir o que foi feito no passado? Eis aí a questão.

Para aqueles que carecem de um sadio conceito da vida, pouco importam as reflexões anteriores. “Queremos a vida para nos divertir”, dirão a si mesmos; “para gozar dos prazeres, da embriaguez ou da opulência, se até aí chegarmos. O resto não importa, não interessa.” Diante de semelhante quadro psicológico, comum a tantos seres, que fala com muita eloquência sobre o estado espiritual de uma grande parte da humanidade, não caberia perguntar se a criatura humana foi criada para empregar sua vida assim, dessa forma? Sua existência não encerrará uma finalidade superior? Não terá sido feita para que reproduza em si mesma os traços superiores de sua espécie, que a farão semelhante a seu próprio Criador? É possível admitir que a vida de um homem deva permanecer tão desprovida de valores? Não terá que conter elementos mais ponderáveis que seus meros apetites materiais?

As vidas dos que pensam, dos que se esforçam e se sacrificam pelo bem geral nos dão com eloquência a resposta. Por conseguinte, devemos pensar que aqueles, cedo ou tarde, compreenderão seu erro e se emendarão. Enquanto isso, o caminho se encontra aberto aos que anelam fazer de suas vidas um paraíso de felicidade.

Extraído de Diálogos, p.202


Carlos Bernardo González Pecotche, também conhecido pelo pseudônimo Raumsol, foi um pensador e humanista argentino, criador da Fundação Logosófica e da Logosofia, ciência por ela difundida. Nasceu em Buenos Aires, em 11 de agosto de 1901 e faleceu em 4 de abril de 1963. Autor de uma vasta bibliografia, pronunciou também inúmeras conferências e aulas. Demonstra sua técnica pedagógica excepcional por meio do método original da Logosofia, que ensina a desvendar os grandes enigmas da vida humana e universal. O legado de sua obra abre o caminho para uma nova cultura e o advento de uma nova civilização que ele denominou “civilização do espírito”.