No início da pandemia, o mundo necessitou adaptar-se a uma realidade jamais sonhada. De uma hora para outra estávamos encarcerados em nossas casas e assustados com as repercussões de algo que ainda não sabíamos o que era ao certo. Alguns disseram que essa pandemia veio para nos tornar pessoas melhores, fazer-nos aprender a conviver conosco mesmos, trazer maior vinculação familiar e valorização das relações humanas…

Hoje, quase dois anos depois, estamos voltando à “normalidade”.

Mas quem pode dizer que se tornou uma pessoa melhor após isso tudo?

Será que foi a pandemia que nos fez mudar ou ela apenas evidenciou algo que já prenunciava a sua inevitável decadência?

Venho aprendendo que todas as experiências da vida, por amargas que sejam, devem servir de motivo para amplas reflexões. Por isso, neste breve artigo, vou compartilhar com vocês algumas reflexões e experiências que tive nessa volta à chamada “normalidade”.

No primeiro dia de retorno às atividades presencias, todos estavam muito alegres e entusiasmados com o reencontro com os amigos do trabalho. Risos e lágrimas de felicidade se ouviam por todos os corredores. Era uma verdadeira festa! Tudo parecia voltar ao normal, mas algum tempo depois aquela alegria eufórica foi, pouco a pouco, dando lugar a pensamentos de queixa, impaciência e intolerância. O que estava acontecendo? O trânsito, antes tranquilo, voltou a ser caótico. Acordar cedo, vestir-se para o trabalho, retornar para casa, tudo parecia um grande esforço.

Observei que os problemas de convivência pessoal se acirraram e todos almejavam desesperadamente as férias. Estávamos cansados devido ao excesso de atividades e demandas decorrentes do trabalho remoto. Na pandemia, tudo ficou acelerado e nos levou à exaustão. Assim, os erros em atividades simples do trabalho aumentaram, e, com eles, a intolerância. Parecia que todos estavam no limite, onde tudo era a última gota que faltava para fazer o copo transbordar. E para alguns, esse copo transbordou…

A pandemia nos deixava uma marca invisível: a necessidade de uma readaptação psicológica ao mundo real, fora do virtual. Tínhamos que reaprender tudo, voltar ao básico, recomeçar. Reaprender a conversar, a ouvir, a falar, a olhar para o outro, a ter empatia… Tínhamos inclusive que reaprender a sorrir, pois por dois anos não víamos a fisionomia de ninguém, apenas máscaras por todos os lados…

Penso que essa pandemia nos mostrou que as mudanças sociais que esperamos não serão estruturais ou sistêmicas, mas sim uma mudança ocasionada por uma espécie de despertar coletivo, onde perceberemos que chegamos ao limite e necessitamos mudar, retroceder sobre nossos passos. Assim como aprendemos a nos adaptar às restrições impostas pela pandemia e o isolamento social, hoje necessitamos nos valer do mesmo poder de adaptação para voltarmos à “normalidade”.

Certa vez, li em um artigo do pensador Carlos Bernardo González Pecotche que: “Adaptar-se é, portanto, preparar dentro de si as condições adequadas para que o equilíbrio normal da vida perdure sem modificações, ainda que a vida se modifique tantas vezes quantas sejam necessárias ou o reclamem as circunstâncias. O contrário seria nos entregarmos como prisioneiros de um inimigo invisível, porém real, que estaria continuamente abatendo nosso ânimo.” (Coletânea da Revista Logosofia, Tomo II, p. 170).

Sei que mudar não é fácil, ainda que a mudança seja para melhor. Tudo exige tempo e paciência, mas, com certeza, tudo se torna mais fácil quando existe boa vontade e um real desejo de ajudar o semelhante. É dessa forma que venho conduzindo os meus dias pós-covid-19, vivendo um dia de cada vez e olhando para o próximo com humanidade. Pois, afinal, somos todos vítimas de um colapso mundial que, assim espero, agora fará parte apenas dos livros de história.