Da série de provérbios que regeram a minha criação estava o ‘Filha, não seja uma Maria vai com as outras’. E cresci com essa vontade de realizar meus planos de acordo com os valores que cuidadosamente aprendi a selecionar e cultivar no decorrer das primaveras.

Para isso, busquei desenvolver um sistema de defesa que a cada nova ideia me permitisse reconhecer se os elementos apresentados seriam úteis, se deveria tolerá-los e incorporá-los, ou se representariam algum perigo devendo, portanto, ser destruídos.

Acontece que feito nosso sistema imunológico, o qual, frente a alguns agentes e a determinadas condições de saúde, se torna passível de invasão, meu exército de defesa mental passou por uma situação em que se viu dominado e completamente vulnerável.

Foi durante o último ano do curso de medicina, estava passando por um estágio de Pronto Socorro, ambiente em que nossos limites são constantemente testados. Iniciei meu plantão de 24 horas empolgada: uniforme vestido, estetoscópio no pescoço, caneta no bolso… Me dirigi a um consultório e chamei a primeira ficha, entrou uma senhora de uns 70 anos conduzindo, numa cadeira de rodas, seu companheiro cuja feição de desalento se sobrepunha a qualquer outra característica.

Já haviam buscado auxílio em incontáveis outros serviços de saúde e seus olhos cansados reluziam esperança de finalmente encontrá-la dessa vez. Ouvi atentamente suas mazelas, ia listando mentalmente as necessidades de saúde daquele senhor ao passo que examinava seus pulsos e auscultava seu coração.

Saí do consultório envolta por um querer verdadeiro de ajudar aquelas pessoas. Me dirigi à sala dos meus professores organizando os pensamentos para contar-lhes em detalhes a história do adoecimento daquele senhor, suas dificuldades de acesso ao sistema de saúde, as alterações encontradas no exame de cada órgão…

Precisava ser uma boa intercessora e confiava que meus interlocutores se alinhariam com o meu querer e juntos pensaríamos num modo efetivo de solucionar aquela situação.

Ao chegar na sala me deparei com um ambiente conturbado: pilhas de casos para serem avaliados, pessoas agitadas com semblante de exaustão segurando seus copos cheios de café… Ao iniciar o relato do caso fui prontamente repreendida por usar termos técnicos inadequados. Anotei no cantinho da página o erro, consertei minha fala e segui contando. Fui interrompida outras vezes por perguntas que testavam meus conhecimentos sobre detalhes da patologia daquela doença e cujas respostas eu não fazia ideia.

Sai da sala com um amontoado de papéis (eram exames e burocracias hospitalares), com a informação de que seria preciso uma cirurgia cuja previsão era incerta e que até lá não tínhamos o que fazer. Voltei ao consultório sem as soluções que idealizei outrora e com o ânimo afetado pelas repreensões e pelo não saber.

Ouvi todo o descontentamento da senhora após contar-lhe sobre as limitações do atendimento e senti meu ânimo ainda mais deteriorado. Recebi mais um empilhado de fichas e o recado de que devia ser mais ágil pois havia ainda muitos pacientes à espera.

Meu dia, a partir daí, foi um suceder de ações completamente alheias a minha vontade: corri com as consultas, me ative a buscar os termos médicos mais rebuscados a fim de manter minha imagem, me senti impaciente com as pessoas, terminei com um semblante de exaustão segurando um copo cheio de café…

Como isso aconteceu?

Refletindo sobre essa experiência me inquietou o fato de perceber como meu comportamento era influenciável pelo meio.

  • Quem estava no comando das minhas ações naquele momento?
  • Como pude me distanciar dos meus propósitos e me igualar a quem não gostaria de ser?
  • Como poderia reconhecer e afastar o pensamento ’Maria vai com as outras’ e retomar o domínio da minha vida?

Tenho entendido, com o auxílio da Logosofia, que para assumir o governo de minhas próprias ações mesmo diante de situações desfavoráveis é preciso estar atenta a todo acontecimento da vida, atenção é sinal de consciência e permite o reconhecimento dessas armadilhas contra minhas defesas mentais.

A identificação dessas situações em que atuamos feito marionetes em espetáculos de autoria alheia, é o primeiro passo rumo a ser autor da própria história.

A identificação dessas situações em que atuamos feito marionetes em espetáculos de autoria alheia, é o primeiro passo rumo a ser autor da própria história. Outro ponto importante, é criar nossos próprios estímulos para que eles se constituam a fonte de energia permanente de nosso interno e nos permitam manter a imperturbabilidade e a fidelidade ao nosso querer verdadeiro, independente do meio.