Durante a infância, o espírito se manifesta no ente físico ou alma da criança para preservá-la dos males que a espreitam e partilhar com ela momentos muito gratos. Não raro surpreendemos seu riso, na vigília ou quando dorme, sem que aparentemente haja motivo algum que o justifique. É que o espírito se faz de “avô jovial” e sugere à incipiente reflexão da criança coisas que, mesmo sem compreendê-las, lhe causam um júbilo inocente. Não obstante, algumas costumam ficar gravadas em sua mente, para reaparecer depois no adulto como incentivos ou inspirações que iluminam sua marcha pelo mundo. Mas há, além disso, um fato a que nos referimos em estudos anteriores¹ e que, agora, vamos destacar com o alcance de uma revelação, por conter valores extraordinários para a orientação atual e futura da infância e da adolescência. Estamos nos referindo à atuação do espírito nesse período compreendido entre o nascimento e a puberdade. Durante esse lapso de tempo, contrariamente ao que se pensou até agora, ou seja, que a mente da criança é inepta para compreender certas manifestações da vida adulta, sendo relegada a meras adaptações primárias de conceitos, sua mente pode captar e compreender sem maior esforço muitas dessas manifestações, por facilitá-lo seu próprio espírito.

A Logosofia revela que, durante essa primeira idade, as possibilidades humanas são assombrosamente fecundas para o desenvolvimento natural da vida consciente, com todas as prerrogativas que a evolução lhe abre no curso de sua existência. A mente da criança é terra virgem e fértil. Constitui, pois, não só uma necessidade, mas também uma obrigação moral e racional inevitável, contribuir para que germinem, nos pequenos mas fecundos campos mentais da criança, sementes ótimas, sementes que contenham em possibilidade de manifestação os recursos de que a inteligência do homem necessita para emancipar-se de toda pressão estranha a seu pensar e sentir, e vencer as dificuldades que há de enfrentar no curso da vida.

Destacamos como nocivo e como total desacerto, causa de grandes prejuízos ao existir humano, qualquer ideia ou crença que se inculque na criança e que seja contrária à verdade ou à realidade que ela, já adulta, haverá de comprovar por si mesma. A mente infantil é sensível por excelência. Grava de forma quase indelével as imagens que os maiores plasmam nela como sugestões. É o que acontece, por exemplo, quando se infunde na criança o temor a Deus, provocando-lhe uma angústia tão inútil como perniciosa para sua formação psicológica e moral, sem haver cometido ainda falta alguma e sem ter a menor ideia do que é um agravo à moral, à decência ou à honradez. Também se lhe inculca o temor ao diabo, assustando-a com o chamado “inferno”. Nenhuma dessas imagens é construtiva, e ambas, ao contrário, a deprimem extremamente, já que, carente a criança de defesas mentais, abandona-se à influência de uma sugestão que intumesce certas zonas de sua mente, produzindo a “psiqueálise”, ou seja, a paralisação de uma parte de seu sistema mental, justamente na zona onde seu espírito pode manifestar-se com vistas a reinar em sua vida e conectá-la ao arcano de sua própria herança. Como se vê, a errônea intervenção dos maiores em sua função de preceptores espirituais, de pedagogos ou pais na formação moral, mental e psicológica da criança é causa dos desvios que a juventude hoje padece, com a consequente preocupação geral, da qual quase ninguém escapa. Considerando a importância dessa causa, a expomos hoje à consciência de todos os seres humanos, tendo em vista a solução que tão aflitivo problema exige e urge.

É necessário favorecer nas crianças as manifestações tutelares de seu espírito, evitando tudo quanto possa anular seu inestimável auxílio. Para tanto, não se devem plasmar em sua mente pensamentos, ideias ou palavras que as inibam ou
restrinjam sua liberdade de pensar. Tampouco se devem oferecer a elas deprimentes espetáculos morais de família, ou deixar que escutem relatos de fatos delituosos, por não estar em idade de compreendê-los. Deve-se, isso sim, estimulá-las no amor a Deus, fonte de toda Sabedoria; mas que esse amor se manifeste como elevada vocação para o estudo e o conhecimento ulterior das verdades, na dimensão que a cada um é dado conhecê-las, isto é, na medida da capacidade individualmente alcançada.

Quanto ao amor a seus pais, irmãos e semelhantes, não se trata tanto de matéria de ensinamento, senão de exemplo. Nisso, como no erro que anteriormente apontamos, é onde falha a maioria. Poucos são em verdade os que, com o exemplo, inspiram esse amor entranhável que cada filho deve sentir por seus pais. Poucos são em verdade os irmãos maiores que, com seu exemplo, ensinam aos menores o culto ao afeto ou ao respeito recíproco. E que diremos do que ocorre de semelhante a semelhante, quando se carece de elementos básicos para a estruturação moral capaz de manter uma convivência feliz?

Se o espírito percebe que o ser a quem ele anima é ajudado no favorecimento de sua evolução, se vê que não lhe são impostas ideias ou crenças que repele por inoperantes, ele próprio se converte em fator determinante de seu pensar e sentir que, embora incipiente na criança, constitui a base sólida de sua sadia e ampla formação mental, moral e espiritual.

Queremos com isto significar que o espírito não nasce com o ser humano, senão que é o ente imaterial que se vai formando no curso de nossas vidas com o que tenhamos sido capazes de acumular na qualidade de patrimônio extrafísico próprio. Contém o provado caudal da própria herança, o que significa, sem dúvida, que a
dimensão de sua experiência e de sua idade é superior à do ser físico a quem anima, pois é a soma dos valores extraídos de cada período de vida do ser individual, seja neste mundo, seja no mundo mental ou metafísico.

Pensamos haver explicado com suficiente clareza as dimensões deste fundamental conhecimento, que revela até que ponto se estendem as possibilidades humanas, e em que medida foi ignorado por parte daqueles que, se o soubessem, teriam tido o dever de ensiná-lo a toda a humanidade. Ao não fazê-lo, provaram sua incompetência e confessaram suas infrutíferas tentativas de ir além das reflexões comuns.

De nossa parte, aprofundaremos ainda mais o tema para destacar alguns fatos que conceituamos dignos de explicação e ilustrativos da atividade do espírito nos primeiros onze anos de vida física do homem.

A intervenção direta do espírito no cuidado da vida infantil é inegável. Em frequentes observações, pudemos comprovar essa intervenção e a forma como o espírito exerce sua influência nos movimentos inconscientes da criança. Faz muitos anos, o autor deste livro se encontrava de férias num local de veraneio do País. Contíguo à casa que ocupava, erguia-se um casarão antigo, que ostentava no alto da fachada, sobre larga cornija, grandes vasos de concreto, onde ervas abundantes proliferavam. Na calçada que rodeava a casa, debaixo de uma daquelas atalaias de cimento, brincavam três meninos, o maior de sete anos apenas. Separava a casa, como cerca, uma tela de arame de forte contextura, que lhe permitia observar, do jardim onde se achava reunido com várias pessoas, o entretenimento dos pequenos. Subitamente, um dos três meninos, o maior talvez, abandonou a brincadeira e instou seus companheiros a se afastarem do lugar. Haviam andado apenas alguns passos, quando o assombro tomou conta dos que observavam a cena, ao ver cair, sobre a área que os garotos haviam ocupado, o pesado vaso que momentos antes se erguia como adorno no alto do edifício. Para quem observa com amplidão de juízo tal episódio, não há dúvida de que nele participou o espírito do menino, ou o dos três, já que foi quase unânime o impulso de mudar de lugar que em conjunto experimentaram.

Outro testemunho: Certa vez um menino de uns oito anos brincava correndo entre os trilhos de uma estrada de ferro, no momento em que se aproximava velozmente um trem de passageiros. Absorto em seu mundo, não percebeu o que ocorria, nem pôde ouvir, por causa do estrondoso barulho do comboio, os gritos daqueles que lhe
faziam sinal sobre o perigo. Nesse momento, um providencial tropeção o arrojou fora do alcance da terrível máquina e impediu que fosse sugado pela tromba de ar deslocada pelos vagões em sua vertiginosa marcha. O que provocou o tropeção? Quem o salvou de um final doloroso no início da vida? Só e unicamente seu próprio espírito, expressão sublime da previsão suprema, que desse modo ampara cada criança durante sua total inconsciência dos perigos que a espreitam, aos quais tão exposta se acha nesse incerto período da vida humana.

Como estes, poderíamos citar uma infinidade de casos, aos quais teriam de ser acrescentados os que o leitor conserva sem dúvida na memória, seja como observações, seja como episódios vividos por ele mesmo. Os que expusemos bastam, porém, para se formar um juízo da evidência com que o espírito se manifesta em defesa do ser que anima. Atribuir isso a outras causas ou fatores é pisar no solo resvaladiço das presunções, que só levam a manter indefinidamente o desconhecimento de uma realidade que tão importante valor assume no desenvolvimento das aptidões morais e mentais do indivíduo, e que tanto contribui para enaltecer a vida e dar-lhe um conteúdo espiritual de insuspeitados alcances.

Não obstante, poderá alguém nos perguntar: “Por que morrem diariamente tantas crianças em acidentes? Como fica nesses casos a proteção do espírito?” A resposta a estas lógicas indagações não destrói nossa afirmação, pois nem todas as vidas seguem o mesmo curso, nem sobre elas atuam os mesmos fatores. As leis que nos conferem liberdade sobre nossos atos são as que determinam, depois, os prós e os contras manifestados ao longo de nossa existência. Não nos esqueçamos, então, de que a vida de uma criança pode estar condicionada ao veredicto das leis no que se refere ao desenvolvimento evolutivo de seus pais ou dela mesma. Além disso, as consequências que as imprevisões e descuidos acarretam – causa muitas vezes de dolorosos acidentes com as crianças – não formam também parte das duras experiências da vida?

Seguindo a ordem desta exposição, fruto de detidas investigações combinadas com a aplicação de conhecimentos logosóficos que penetram a fundo nas complexas articulações da psicologia humana, apontaremos agora um acontecimento que se verifica com todas as almas ao chegar à puberdade. O despertar desta idade crítica traz, como consequência, o retraimento do espírito. É justamente nessa idade, a mais necessitada de noções precisas sobre o espírito, que o ser se encontra órfão de toda explicação ilustrativa além daquelas que os maiores lhe costumam dar de forma ambígua e confusa. Apenas de passagem, não esqueçamos que estes por sua vez receberam de outros, em seu tempo, conceitos igualmente errôneos.

O retraimento que o espírito se impõe, com o surgimento da adolescência, ocorre porque nessa idade o instinto toma força, surgem as paixões, e o ente físico se vê de repente submerso no mais cru materialismo. E aqui devemos destacar um fato que se repete uma infinidade de vezes: o espírito sofre, em tais circunstâncias, um eclipse que chega em muitos casos a ser quase que definitivo. Não se notam, com efeito, nem sequer vestígios de sua existência nos pensamentos, ideias ou atos de um sem-número de seres que terminam suas vidas em irreparável declínio.

Vejamos, agora, como se pode neutralizar a influência do instinto durante a puberdade e evitar que ela anule a do espírito. No campo experimental das atividades logosóficas, tem-se podido comprovar que a atenção especial consagrada às crianças, com o emprego do método logosófico, lhes permite entrar na puberdade sem que sejam surpreendidas por temores, coibições e toda essa gama de sugestões que o despertar do sexo traz consigo. É precisamente nessas circunstâncias que afloram na mente e no sentir do adolescente as imagens sombrias que lhe foram inculcadas na infância. O temor a Deus o escraviza e oprime, não lhe permitindo refletir sobre suas próprias dificuldades. Acossado pelos pensamentos, sente-se quase que um infrator das leis naturais. Isto geralmente o leva a cometer imprudências e desacertos que agravam cada vez mais seu desamparo moral. A Logosofia previu essa inquietante situação a que é submetido o adolescente, por carecer ele de recursos para enfrentar a inevitável passagem entre uma idade e outra. Ensina-lhe a criar suas próprias defesas mentais e o guia no conhecimento gradual das contingências que deve enfrentar, para que as resolva pela via natural da reflexão serena sobre os fatos. Desta maneira, consegue-se que o espírito mantenha sobre o ser sua influência como na infância; e é na força mental e psíquica que ele lhe ministra que o adolescente encontra o ponto de apoio para não se desencaminhar em tão delicada prova de sua experiência no mundo.

Naturalmente, a moral do lar logosófico contribui de maneira decisiva para formar nas crianças e adolescentes uma ideia inequívoca do desenvolvimento da vida em seus termos mais prudentes e sensatos. A força do exemplo do lar os leva depois a verificar o que ocorre nos ambientes não logosóficos e a julgar por si mesmos a conveniência de ser cada um deles dono de seus pensamentos e de seus atos. Buscam, assim, a trilha moral para o aproveitamento de suas energias internas, que o próprio espírito individual sabe orientar muito bem, sobrepujando sem maiores dificuldades as alternativas desse período crítico da vida.

Deve-se entender que, quando o adolescente não evidencia as defesas mentais que a Logosofia lhe ensina a organizar, se vê obrigado a manter penosas lutas entre seu pensar e seu sentir. Muitas dessas lutas debilitam visivelmente sua saúde e abalam sua moral. Com tais desvantagens, fruto da ignorância e da inexperiência, passa pela idade púbere e entra na vida. As novas preocupações lhe vão devolvendo pouco a pouco o equilíbrio funcional de suas ocorrências internas, porém no andar pelos caminhos do mundo sem uma orientação segura logo é colhido por novas acometidas do instinto e pelas não menos impetuosas investidas de certos pensamentos que, dentro de sua mente, tratam de apoderar-se do governo de sua vida.

Considerando serenamente os sérios riscos que uma infância e uma juventude descuidadas ocasionam à criatura humana, é fácil apreciar a importância que tem, desde a primeira idade, preservar a criança de preconceitos, de crenças e de toda ideia sugestionante e inibitória que atente contra o desenvolvimento normal de sua natureza pensante e dos demais atributos afins com sua condição de superioridade entre os seres criados. A criança deixará assim seu mundo, o da infância, para entrar no da adolescência provida de defesas contra as contaminações que a ameaçam, ao que se deve somar, logicamente, a assistência dos maiores, aos quais cabe o dever de familiarizá-la com o panorama de uma vida que para ela repentinamente mudou. Quantas vezes, porém, a vemos entregue aos próprios recursos, sem mais governo sobre si que as ilusões que surgem frondosas de sua imaginação, em virtude desse aglomerado de manifestações novas e de todo tipo que sua natureza experimenta. Recordemos, não obstante, que não são poucos os casos em que uma ideia inesperada, uma reação saudável no instante mesmo de dar um mau passo, pareceria querer dar-nos testemunho de que não desapareceram totalmente as influências sadias e inocentes daquele primeiro período da existência, sem dúvida como reminiscências com que a Sabedoria Universal ampara o incipiente explorador que se interna às cegas no complicado mundo da grande experiência humana.

A Logosofia indica ao homem o caminho, ao revelar ao seu entendimento as possibilidades que tem para o reencontro com seu espírito e para experimentar conscientemente a realidade de sua existência. É preferível, e altamente benéfico para a alma, dominar o campo de suas possibilidades a seguir ignorando-as. O clarão de uma luz na escuridão da noite, quando esta nos colhe na vastidão dos pampas, pode servir-nos de orientação; devemos, porém, recorrer a nossas forças para chegar até o lugar iluminado. O experiente não necessita desse clarão, pois leva dentro de si a orientação precisa para não se extraviar.


Carlos Bernardo González Pecotche, também conhecido pelo pseudônimo Raumsol, foi um pensador e humanista argentino, criador da Fundação Logosófica e da Logosofia, ciência por ela difundida. Nasceu em Buenos Aires, em 11 de agosto de 1901 e faleceu em 4 de abril de 1963. Autor de uma vasta bibliografia, pronunciou também inúmeras conferências e aulas. Demonstra sua técnica pedagógica excepcional por meio do método original da Logosofia, que ensina a desvendar os grandes enigmas da vida humana e universal. O legado de sua obra abre o caminho para uma nova cultura e o advento de uma nova civilização que ele denominou “civilização do espírito”.